LUÍS FRANCISCO RODRIGUES DA FONSECA
1952 - 1980
Era o meu irmão mais novo. Nasceu a 6 de Outubro de 1952, numa altura em que já não se esperava pois minha mãe tinha já 43 anos e o seu último parto ocorrera em 1948 (e a vida também era muito difícil - como aliás continua a ser - e apenas meu pai trabalhava para sustentar a família composta a partir daí com 5 filhos...), mas, graças a Deus, todos conseguimos sobreviver.
Revelou-se um estudante aplicado que apreendia muito facilmente as coisas, principalmente em fazer contas de cabeça - ainda me recordo, parece-me ainda estar a vê-lo... - quando nós (os irmãos) o desafiávamos a dizer os resultados de multiplicações e divisões que lhe propúnhamos, algumas delas bastante difíceis e complicadas envolvendo vários dígitos. Bons tempos...
De todos nós foi ele o único que completou mais os estudos. Chegando à idade de cumprir o serviço militar foi para a Marinha e lá cumpriu o tempo que estava determinado, e a certa altura foi destacado para a Madeira, onde permaneceu até completar o tempo de alistamento.
Quando saiu da Marinha, candidatou-se à Guarda Nacional Republicana pela segunda vez, tendo sido admitido para a Brigada de Trânsito. Conduzia carros e motos e percorreu praticamente todas as estradas do país. Vivia em casa de meus pais mas a não ser em tempo de férias, apenas lá ia aos fins de semana. Teve diversas aventuras na estrada, e no Alentejo, aquando do Verão quente, foi atacado diversas vezes (ele e os seus camaradas) pelos "revolucionários esquerdistas do PC e outros Partidos". Numa das vezes ficou ferido, por ter ficado debaixo da mota que conduzia e esteve no Hospital militar durante algum tempo (isto apenas o soubemos depois da sua morte, pois ele não o disse a ninguém, nem aos pais nem aos irmãos...).
Desta aventura ficou com umas sequelas, entre as quais, teria de tomar toda a vida, um medicamento anticoagulante em comprimidos (que, quando a minha mãe lhe perguntava porque é que os tomava ele dizia que eram para as dores de cabeça).
Em 1980, Maio, estava ele destacado no quartel da GNR em Évora, por castigo, (pois ele e um colega teriam exacerbado nas suas funções - desconheço quais - e por isso tinha sido suspensa a prestação de serviço na BT durante 2 meses, salvo erro) e foram enviados para o referido quartel. Nesse dia 18, Domingo, realizava-se em Évora um jogo de futebol, salvo erro, entre o Lusitano e o Juventude de Évora. Meu irmão que tinha estado no quartel, e depois de almoçar com os Colegas, resolveu ir ver o jogo, porque a partir dessa hora, estava de folga. Era um dia muito quente - (parece que nesse ano, foi o dia mais quente em Évora...) e, talvez por isso, meu irmão na altura do intervalo, decidiu regressar ao quartel. O sentinela viu-o entrar e dirigir-se directamente ao banheiro, no fundo da sala. Passados uns minutos, o sentinela achando que ele já estava lá há muito tempo, chamou-o. Não tendo obtido resposta, foi ele próprio ao banheiro e ao abrir a porta, deparou com o meu irmão caído no chão debaixo do chuveiro, desmaiado. Chamou logo por alguém, levaram-no ao hospital, - que fica paredes meias com o quartel - prestaram-lhe os primeiros socorros, mas não valeu de nada porquanto já estava morto.
Eu estava em minha casa, e tive um pressentimento de que algo não estava bem. Jogava cartas com meu falecido sogro e perdia sempre; meus filhos gémeos, andavam na sala, metiam-se debaixo da mesa, e brincavam. Eu estava a ouvir também um jogo de futebol em que entrava o F. C. Porto que estava a perder; a televisão creio que estava a dar um filme, mas eu não prestava atenção; Minha mulher conversava com meus cunhados na cozinha. Em suma tudo me corria mal e eu estava bastante aborrecido e pressentia que algo estava para acontecer.
E, realmente aconteceu. Tocou o telefone; fui atender e do outro lado, depois de confirmar que eu era irmão do Luís que estava na GNR, a voz do sargento Arrifes (creio que era esse o nome), dá-me a notícia de que meu irmão havia falecido minutos antes, nas condições que anteriormente citei. Disse-me ainda que esperaria que eu lá me deslocasse com outros familiares que entendesse levar, para se proceder ao funeral para Rio Tinto, possivelmente no dia 20, quarta-feira, o qual seria da responsabilidade da GNR.
Como devem compreender, fiquei paralisado durante alguns segundos. Depois fui à cozinha, onde já estava tudo a começar a lanchar, mas quando me viram tudo ficou quieto e, logo de imediato, dei a notícia e acabou o convívio. Meus cunhados levaram os meus sogros; meus filhos foram-se deitar, fechei a TV e o rádio e ficou tudo em silêncio. Depois resolvi contactar meus irmãos e combinar com eles, deslocarmo-nos a casa de meus pais, para lhes comunicar o acontecido.
Foi um momento muito difícil. Quando cheguei a casa de meus pais, acompanhado de meu irmão Fernando e de sua mulher, de minha irmã Regina e do meu cunhado Manuel, veio à porta a minha irmã mais nova, Arminda (que já havia sido alertada por um telefonema meu, de que iria lá para comunicar a triste notícia aos nossos pais e a ela também), entramos na casa e num repente, ao olhar para os meus pais sentados a fitar-nos, como que a inquirir, porque é que às 10 horas da noite estávamos ali todos, eu ganhei coragem e disse-lhes muito simplesmente: O LUÍS faleceu esta tarde em ÉVORA e eu vou com o Manuel esta noite para lá, para se fazer o funeral.
Meus pais nada disseram. Olharam um para o outro, olharam depois para nós longamente e, passados talvez dois minutos mais ou menos, meu pai e minha mãe disseram: Seja feita a vontade de Deus. E, então, sim, então choraram em seguida, um choro isento de gritos, mas sim um choro silencioso.
Não, nessa noite, mas no dia seguinte, eu e meu cunhado, estávamos prontos a partir para Évora, no meu carro FIAT 600. Porém minha irmã Regina, disse-nos para ir antes de comboio ou de camioneta, porque tinha medo, que eu não aguentasse a longa viagem a conduzir e além disso poderia suceder algum problema na estrada. Assim fomos de comboio até Coimbra e lá apanhamos um autocarro para Évora, onde chegamos às 17 horas mais ou menos. No dia seguinte, pela manhã, a GNR transportou-nos até ao Hospital e dali formou-se um funeral sendo o corpo transportado num carro fúnebre da GNR, acompanhado de mais 2 carros da GNR, num dos quais ia eu e o meu cunhado. Chegamos a Rio Tinto, cerca das 19 horas da tarde, sendo o féretro recolhido na capela mortuária e só no dia 21, de manhã é que foi feito o seu enterramento. A GNR do Porto, que havia tomado conta do corpo quando entrou nesta área de jurisdição, saudou com uma salva de tiros o corpo de meu irmão quando foi depositado na campa.
Foi uma linda cerimónia que compensou muito a perda que havíamos sofrido (os meus pais, os meus irmãos e eu) - dado que o cemitério que é bastante grande, estava completamente cheio de pessoas de Rio Tinto, que conheciam os meus pais (principalmente o meu pai Chefe Arlindo, do CNE) e, também o meu irmão e, além disso estava um pelotão da GNR que fez guarda de honra e talvez por isso mesmo, havia gente que se calhar apareceu ali, por causa do aparato militar e por causa da salva de tiros.
Passados 22 anos, ainda hoje, e pelo menos uma vez por ano, faço uma visita de memória aos seus restos mortais no cemitério de Rio Tinto.
A PAZ esteja com ele e com todos nós. Ámen.
Post colocado em 6 de Setembro de 2012 - 14,30 horas
por
ANTÓNIO FONSECA