Do livro "então ... e os pobres?" ouso transcrever alguns textos que foram editados pelos Conselhos Centrais das Conferências Vicentinas de S. Paulo, do Porto, em 2004. Os textos foram compilados por António Ferreira de Gouveia, Bernardino Queirós Alves e Domingos Oliveira e a sua Apresentação foi escrita pelos Presidentes dos referidos Conselhos Centrais, Arminda Marques e Luís Roque, a quem com a devida vénia, peço autorização para a transcrição de alguns capítulos, que creio merecerem a atenção de todos os Vicentinos.
Cristo, o Mestre da Caridade
O Evangelho, boa Nova do Amor a Deus e aos irmãos
1. "Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei".
O Amor do Pai revela-se a todos nós na Pessoa de Jesus Cristo. As suas palavras, os seus gestos, o modo como viveu entre nós, o estilo de vida que viveu, os valores que defendeu e comunicou, em tudo isto se expressa a novidade do Seu Amor.
A actividade social do Estado e das Instituições particulares procuram responder aos problemas dos pobres. Esta actividade está organizada num Ministério e tem estruturas nacionais e regionais. Gasta muito dinheiro e orienta-se por critérios de eficácia. A Igreja, na sua Pastoral da Caridade e nas Instituições de Solidariedade Social procura trabalhar com os pobres e a partir dos pobres e não para os pobres.
Os pobres não são considerados objecto mas o sujeito e pretende-se que eles sejam também actores. É aqui que se encontra a novidade da Pastoral da Caridade promovida pelos cristãos e pela Igreja: "Amai-vos como eu vos amei", é no como que está a novidade. Cristo é o Mestre. Há um modo específico, próprio, que o Evangelho nos propõe.
Muitas vezes na Sagrada Escritura a ajuda aos mais pobres é referenciada como uma forma de poder. S. Lucas 22, 25 diz: os reis da terra dominam as nações e os que exercem a autoridade são chamados benfeitores. Mas o Evangelho diz: Convosco não seja assim: o que quiser ser o maior seja o servidor de todos.
2. Cristo está atento ao clamor dos pobres
O Evangelho diz-nos que do meio da multidão barulhenta, o cego deu conta de que Jesus passava e gritou: Filho de David, tem compaixão de mim. Jesus perguntou: Quem me chama? Ouviu o clamor do cego e por causa da sua fé, curou-o. A mulher que sofria de hemorragia crónica dizia: se eu ao menos lhe tocar no manto ficarei curada. Jesus sentiu que ela lhe tocou e ela ficou curada com a força de Jesus.
Jesus percorria os caminhos dos homens e encontrava os que precisavam de libertação: os que estavam escravizados pelo dinheiro, como Zaqueu, os que estavam paralisados, que punha a andar, os que eam marginalizados, como os leprosos, os que eram humilhados, como as prostitutas, os que eram colocados à parte e mal vistos, como os Samaritanos. A todos Ele libertava. Estes e muitos outros levam Jesus a dizer: tive compaixão deste povo. Por isso, Ele foi Bom Pastor e deles se aproximou como Bom Samaritano.
3. Cristo é Mestre como Bem-aventurado
Nas Bem-Aventuranças (Lc 6, 22ss) Ele dá o conteúdo do pobre e do seu caminho para estabeledcer no mundo a Justiça e a Paz. A novidade da acção cristã encontra-se aqui expressa. É n'Ele que aprendemos as Bem-Aventuranças.
Bem-aventurados os pobres: os que não estão presos aos bens e na sua pobreza sentem e sofrem o que isso significa. Bem-aventurados os pobres que estão despojados de egoísmo, da escravatura e da prisão de bens.
Os pobres de bens materiais precisam de não se escravizar aos bens quando os podem conquistar. São as duas dimensoes do pobre. Jesus, na multiplicação dos pães, chamou a atenção àqueles que nâo perceberam para além do pão material.
Nas bem-aventuranças Jesus chama a atenção para vários aspectos de uma Pastoral da Caridade:
- Felizes os pobres, porque deles é o Reino dos Céus;
- Felizes os aflitos porque serão consolados;
- Felizes os que têm fome e sede de justiça porque serão saciados;
- Felizes os misericordiosos porque alcançarão misericórdia;
- Felizes os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles
é o Reino dos Céus;
4. Jesus e a opção dos pobres
O que fizerdes ao mais pequeno é a Mim que o fazeis (Mt 25, 40);
O Espírito do Senhor repousa sobre Mim e me enviou a anunciar a Boa Nova aos pobres (Lc 4, 18-19):
A Boa Nova é anunciada aos pobres (Mt 11, 4-5).
Jesus despoja-se para se identificar com os pobres (Fil 2, 5-8). Em Mt 25, dar ao homem o que o dignifica e liberta é construir o Reino de Deus, é tê-lo como herança. A Igreja no nosso país e no nosso mundo tem confirmado esta sua vocação e missão de estar com os pobres: é por isso que todos saberão se sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros (Jo 13, 55).
Jesus junto dos pobres nâo só os ajudou nas suas necessidades, mas libertou-os do que os tinha dependentes tornando-os autónomos e dignos. Além disso, Jesus denunciava as causas dessa dependência ou opressão; o pecado, as injustiças e desníveis sociais e a moral legalista que culpabilizava e marginalizava. Diz aos fariseus que eles carregam os homens com fardos pesados, que praticam a violência (o sangue de Abel e Zacarias), e se apoderam das chaves da Ciência (Lc 11, 37-54). Jesus percorria toda a Galileia e curava todos as enfermidades (Mt 4, 23-24).
5. O Evangelho como Boa Nova do Reino
O Prefácio da Missa de Cristo Rei diz-nos que o Reino de Deus é um Reino de Verdade, de Justiça, de Amor e de Paz. è este Reino que a Igreja procura servir e concretizar na terra. Cristo foi movido pela compaixão e pela paixão do Reino. São as duas tónicas da missão de Jesus.
A compaixão é o deixar-se comover e tocar até às vísceras pelo sofrimento dos pobres: Eu tive compaixão deste povo que são como um rebanho sem pastor (Mt 9, 35-36).
A paixão pelo Reino levou-o até ao dom da vida: ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos amigos. E vós sereis meus amigos se fizerdes o que vos mando.
6. O Evangelho é Boa Nova para os pobres
O verdadeiro culto é culto do amor, em espírito e verdade, como Jesus falou à samaritana. Revela uma particular atenção ao clamor dos pobres, desde o Egipto (êxodo) até aos nossos dias. Jesus pergunta: quem me chamou? Quem me tocou?
Todo o Evangelho é um livro à Caridade, ao Amor. Ainda que eu fale todas as línguas (...) ainda que tenha o dom da profecia ou distribuir todos os bens pelos pobres (...) se não tiver Caridade nada vale (1 Cor 13). É que não basta fazer o bem. É preciso fazer o bem, bem feito. O bem tem de ser feito com gratuitidade e levar à promoção e libertaçao do pobre. É o sentido da partilha do óbolo da viúva ou da viúva de Sarepta (1 Reis 17).
É aos pequenos que o Senhor revela a sua sabedoria (Mt 11, 25ss). É preciso ter um coração simples e aberto para acolher a sabedoria de Deus. E a sabedoria do Evangelho, por vezes, está contra a sabedoria que orienta o mundo. Há muitas vezes tensão ou conflito entre estas duas sabedorias. Diz S. João (1 Jo 2, 11-19): não vos deixarei orfãos. Irmãos, se o mundo vos odeia, sabei que primeiro me odiou a Mim. Se fosseis do mundo, o mundo amaria o que era seu ... Temos a responsabilidade do mundo; não te peço, ó Pai, que os tires do mundo, mas que os libertes da corrupção (Jo 17, 15). A nós também Ele perguntará, como a Caim, o que foi feito do irmão Abel.
(Bernardino Queirós Alves - Padre)