terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Sobre Paulo e a Voz de Deus

Sobre Paulo e a Voz de Deus
Consta que Paulo não era um homem simpático e não foi propriamente um santo fácil. Eu, com uma cultura religiosa média, o que me vinha à cabeça era, quase só, o episódio da estrada de Damasco, a tremenda e imperativa interpelação de Deus, por ser Paulo quem era e como era, peça essencial à expansão e crescimento da Igreja. Até ao dia em que me pediram um texto sobre as cartas de São Paulo aos Coríntios e, embora ciente da minha incompetência, afoitei-me e mergulhei na dimensão paulina. Anos depois, António Pedro de Vasconcelos, com quem viajava para Helsínquia, numa longa conversa sobre o humano e o divino, com a prolixidade inteligente que se lhe reconhece, trouxe São Paulo à colação a propósito do livro de Teixeira de Pascoaes e da apresentação que ele próprio escrevera, na terceira edição de São Paulo. O essencial parecia ser a excepcionalidade do desígnio e a solidão que sempre o acompanha. Naquele "ai de mim se não evangelizar" esgotam-se todas as dimensões do tremendo compromisso de um permanente desvendar da Palavra contra todos os frios raciocínios.
Por isso fiquei marcada pelas palavras de São Paulo quando diz que foi enviado por Cristo a pregar "e sem recorrer à sabedoria da linguagem para não esvaziar da sua eficácia a cruz de Cristo", porque a ciência incha mas a caridade edifica. Aliás a enorme premência, senão mesmo angústia, que perpassa nestas cartas centra-se exactamente nisto: como explicar aos homens e mulheres daquela comunidade que todos foram chamados à santidade? Que esse chamamento é radical e se opera na convicção do homem novo, redimido e liberto. Como, se toda a cultura é adversa, se a própria natureza humana é adversa, se as aparentes evidências são adversas? Quantos perceberão o sentido de Deus ter tornado louca a sabedoria deste mundo?
António Pedro me remetia para o São Paulo de Pasolini. Este vê-o como o homem que demoliu revolucionariamente, com a simples força da sua mensagem religiosa, um tipo de sociedade fundada sobre a violência de classe, o imperialismo e, sobretudo, a escravatura. De regresso a Pascoaes, fixo esta afirmação extraordinária: "A Poesia é de São Paulo, como a Ciência é de Lucrécio", "No apóstolo, a ideia platónica abrasou-se em amor divino." Mas a Pascoaes interessa sobretudo aquele tempo histórico, do ano 37 a 64 da nossa era, de um cristianismo espontâneo e vivo, antes de sistemas acabados, um tempo de Deus ainda sem teologia.
São Paulo é tudo isto e mais do que isto, tudo o que ainda não conseguimos ver nem sentir. Esta universalidade total, de espaço e vocação, o abrir corações e territórios, permitem que cada um se aproprie dele, de uma parte dele, nem sempre a mesma, uma escolha moldada no que se sente, na fé que se tem, utopista ou santo, em qualquer caso património comum.
Há dias, num voo para Nova lorque, folheando um jornal português vi uma notícia de página inteira sobre um movimento inglês que se deu ao trabalho de comprar anúncios em autocarros que dizem
"Deus provavelmente não existe. Agora deixe de se preocupar e goze a vida".
Tolice, porque se assim se pensa não se percebe a necessidade de o anunciar e se afinal é tão só uma probabilidade pode que a preocupação se agrave. É curiosa esta senha em calar a voz de Deus numa Europa desnorteada, incapaz de ter pensamento, desígnio ou liderança, transformada num parque jurássico entregue a movimentos infantilizadores e primários.
Para perceber a sede que o mundo tem de espiritual idade e transcendência, de situar o sentido da vida e da morte, do bem e do mal, bastou ouvir e ver a América, na investidura do novo Presidente, a rezar a mais universal das orações, o pai-nosso.
Ou, nas suas diferentes igrejas, cantar o God bless America, incluindo em St. Patrick, onde assisti à missa.
Ou ler o último capítulo de O homem em queda, de Don DeLillo:
"Mas não é o mundo em si que nos conduz a Deus? A beleza, o sofrimento, o terror, a aridez do deserto, as cantatas de Bach."
E, claro, reler São Paulo.
In Jornal Público de 29 de Janeiro de 2009, Maria José Nogueira Pinto
António Fonseca

REFLEXÃO DE D. JOAQUIM GONÇALVES

Reflexão de

D. Joaquim Gonçalves

sobre o Ano Paulino
1 - Na transmissão e herança dos valores e responsabilidades familiares e escolares, há filhos e alunos que vivem do nome e do prestígio dos seus pais e mestres, e, ao contrário, há pais e professores que saem do anonimato pelo nome dos filhos e alunos. Por isso, nuns casos apresentamos alguém dizendo que «é filho ou aluno de determinada pessoa», e, noutros casos, que «aquele homem ou mulher são os pais ou os professores de alguém». Num caso, a luz do passado ilumina o futuro, a água jorra da montanha para o vale; no outro caso, é onda do mar que reflui sobre a nascente.
É isso que acontece com Timóteo e Tito: chamamos-lhes discípulos de Paulo, seus cooperadores e continuadores, Paulo é a referência. A própria Igreja colocou a sua festa no dia a seguir ao 25, dia da conversão de Paulo, como dois ribeiros que prolongam a nascente. Seguindo este critério, vamos nesta semana falar das «cartas pastorais», que S. Paulo lhes dirigiu.
2 - Timóteo é o nome grego (temente, adorador de Deus) de um homem jovem, filho e neto de mulheres judias (a mãe Eunice e a avó Lóide) e de pai grego, não judeu, residentes em Listra (actual Turquia). Quando Paulo por ali passou nas primeiras viagens apostólicas, ao ouvir o testemunho da comunidade acerca dele, levou-o consigo. Para evitar futuros conflitos com os judeus, e embora só a mãe fosse judia, Paulo aconselhou-o a circuncidar-se. Timóteo será o discípulo predilecto de Paulo e acompanhou-o na segunda e terceira viagem. Foi mais tarde enviado em missão especial a Tessalónica, Macedónia e Corinto, e com Paulo é o remetente de seis cartas paulinas. Como era muito novo e algo tímido, Paulo acompanhou-o de perto e, depois da ordenação, aconselhou-o a aprofundar o mistério da sua ordenação, a cultivar a «fortaleza» de espírito, e deu-lhe até orientações sobre a alimentação, recomendando o uso de um pouco de vinho. Acompanhou Paulo no primeiro cativeiro, e, após a libertação, ele mandou-o ficar em Éfeso, a capital da região, a dirigir a comunidade local. Dirigiu-lhe duas cartas, uma delas da Macedónia e outra de Roma, durante o seu último cativeiro, já próximo do martírio. Seria a última carta do Apóstolo. A tradição venera Timóteo como bispo de Éfeso.
Tito é o nome latino de outro discípulo e companheiro de Paulo. Era gentio de nascimento e nunca foi circuncidado, acompanhando Paulo ao concílio de Jerusalém. Mais velho que Timóteo, seria incumbido de uma missão delicada a Corinto, bem sucedida. Compartilhou o segundo cativeiro de Paulo (2 Tim4,20) e, depois de liberto, foi enviado em missão à Dalmácia e fixou-se em Creta como bispo dessa ilha cuja população, de origem fenícia, tinha fama de mau carácter. Ainda hoje chamar «cretino» a alguém é humilhante, e prefere-se dizer «cretense». Paulo enviou-lhe uma carta.
3 - As três «cartas pastorais» não são cartas de índole pessoal mas de natureza pastoral, e por isso a linguagem é semelhante nas três, uma linguagem objectiva e impessoal, ainda que com algumas referências pessoais.
São todas da última fase da vida de Paulo, depois do ano 60. A 1ª carta a Timóteo e a carta a Tito devem ter sido enviadas da Macedónia; a 2ª carta a Timóteo foi a última carta de Paulo, enviada da prisão de Roma já próximo do ano 67, o ano da morte de Paulo. Ao saber que Timóteo andava abatido e desanimado por ver que o Evangelho só trazia sofrimentos, Paulo chamou-o a Roma para o animar e a carta 2Tim contém uma catequese sobre o mistério do sofrimento de Cristo na fé cristã.
O conteúdo geral das três cartas é o mesmo: a vigilância dos Pastores contra as heresias e as doutrinas de falsos doutores da época, e o zelo na organização interna da hierarquia. A exposição é serena e clara. Aparecem aí os termos técnicos de «diáconos», «presbíteros» ou «anciãos», «bispos», «vigilantes», «supervisores». Tais palavras, retiradas da cultura grega, ainda não têm um sentido rigoroso, e dariam origem aos termos actuais de «diácono», «presbítero» e «bispo», os três graus do sacramento da Ordem, com um sentido rigoroso, o que não acontecia no tempo de Paulo em que o sentido era oscilante: «Presbítero» aplicava-se tanto ao «padre» como ao «bispo» de hoje; e «diácono» tinha frequentemente o sentido comum de ajudante, servidor, e, por isso, aplicava-se tanto a homens como a mulheres, as «diaconisas» e «servidoras», incluindo nessa designação as esposas dos diáconos, as que auxiliavam no baptismo de imersão das mulheres e nas reuniões domésticas. Por isso, da linguagem das cartas pastorais nada se pode concluir sobre a «ordenação» de mulheres na Igreja.
4 - Vale a pena ler devagar as três cartas e pela ordem referida. Repare-se na linguagem firme, entrecortada de palavras de grande afectividade: trata os dois como «filhos», pede-lhes especial zelo na doutrina e que não se precipitem em conferir ordens sacras a qualquer homem. A Timóteo recomenda que estude, que reze, e, se tiver de repreender os idosos, o faça com moderação e respeito, que seja reservado no trato com mulheres e firme na disciplina das celebrações. A 2ª carta a Timóteo é a carta do pastor no Outono da vida, repassada de uma ternura adulta, com algumas desilusões mas grato para com os que lutaram com ele pelo nome de Jesus. Refere pelo nome próprio homens e mulheres e fala de objectos pessoais: os «pergaminhos» (a sua «biblioteca pessoal» que contribuiria para a formação do Novo Testamento), o manto ou capote de agasalho nas noites frias da Turquia, nas viagens pelo mar e aconchego no frio das prisões!
Dada esta informação cultural, somos convidados, na fidelidade ao espírito do Ano Paulino, a fazer reflexão pessoal. Como pais, professores, educadores, párocos e padres em geral, responsáveis pelos quadros futuros da Igreja e da sociedade, interroguemo-nos sobre o empenho em preparar os quadros do futuro. Se há o cuidado de observar as pessoas, de escolher e convido pessoalmente, como fez Paulo; se se conhecem os feitios e capacidades pessoais, o que requer proximidade; se se acompanham na sua preparação, na acção e formação permanente. Além disso, como membro da comunidade cristã, o cristão é chamado a depor sobre os candidatos no processo de ordens: dá-se o testemunho com lealdade ou fica-se no «socialmente correcto»?
Dos objectos de uso pessoal, que vão encontrar os herdeiros (filhos, alunos, seminaristas) no espólio pessoal: - Um crucifixo no escritório, uma Bíblia na mesinha de cabeceira, um terço no fogão de sala ou sobre a lareira, um Catecismo da Igreja Católica, diplomas da comunhão e crisma dos filhos, alguns livros de oração e de informação cristã, contas e livros em ordem? Ou somente livros de cheques, computadores, jóias e fatos, romances mundanos, televisores, os carros na garagem e os primitivos manuais escolares?
Reler as três «cartas pastorais» como quem lê as memórias de um grande líder.
D. Joaquim Gonçalves, Bispo de Vila Real
António Fonseca

CARTAS DE S. PAULO NOS ESCRITOS DE D. JOÃO OLIVEIRA MATOS

Cartas de S. Paulo

nos escritos de D. João de Oliveira Matos
A Liga dos Servos de Jesus e a Causa de Beatificação e Canonização do Servo de Deus D. João de Oliveira Matos aproveitaram a Celebração Jubilar comemorativa do ano Paulino para procederem ao lançamento do livro “D. João de Oliveira Matos – Escritos – Nem só de pão vive o homem … Comentários às Cartas de S. Paulo – Volume II”.
O padre António Moiteiro Ramos, vice-postulador da Causa da Beatificação de D. João de Oliveira Matos, que orientou a obra publicada no passado domingo, dia 25 de Janeiro, contou ao Jornal A Guarda que a Liga dos Servos de Jesus e a Causa da Beatificação do antigo Bispo da Guarda “estão preocupadas em publicar os escritos do Senhor D. João. “Estes escritos estão no Jornal Amigo da Verdade, desde o momento da sua fundação, em 6 de Março de 1927 até Fevereiro de 1939. Neste período de tempo, o Senhor D. João escreveu todas as semanas dois artigos, um comentando os textos bíblicos da Missa do Domingo e um outro artigo de natureza espiritual, destinado aos servos externos e ao público em geral, que recebiam o jornal e viviam nos seus locais de trabalho”, referiu. Acrescentou que em Setembro de 2008 foi publicado o I Volume “das obras dos seus escritos que são os comentários ao Evangelho de S. Lucas e, agora motivado pelo Ano Paulino, os Comentários às Cartas de S. Paulo”.
Numa análise ao conteúdo da obra, o padre António Moiteiro Ramos declarou: “os comentários que D. João de Oliveira Matos faz são sempre muito pastorais, porque tinham como finalidade explicar a Palavra de Deus aos fiéis, mesmo que tivessem pouca cultura. Também há a preocupação destes escritos ajudarem a vida das Comunidades da Liga dos Servos de Jesus, que tinha sido fundada cerca de 15 anos antes”. “Se na Diocese a Causa da sua beatificação é uma Causa Diocesana, a publicação dos escritos ajuda-nos também, nesta vivência quer do Ano Paulino, quer no conhecimento da vida e obra do Servo de Deus”, disse.
Entretanto, no Prefácio da obra, António Moiteiro Ramos escreve que “a razão de ser do título deste livro prende-se com o facto de o maior número de comentários ser às cartas de S. Paulo, enquanto os outros são em número reduzido, apenas dez. Estes comentários, à primeira leitura, estão organizados do seguinte modo: - Em primeiro lugar, colocámos os comentários às Cartas de S. Paulo e ordenámo-los segundo a forma como aparecem na Bíblia Sagrada, publicada pela Difusora Bíblica, dos Padres Capuchinhos. – Os títulos a cada comentário, tal como os textos bíblicos, são os que aparecem na referida Bíblia Sagrada. – Em apêndice, colocámos os comentários que não são de S. Paulo com o objectivo de termos uma maior unidade dos textos publicados. – O texto bíblico aparece sempre em primeiro lugar, em itálico, e a seguir o respectivo comentário do Senhor D. João”.
“A Liga dos Servos de Jesus continua hoje o carisma dado à Igreja na pessoa do Senhor D. João. Uma das suas obrigações é dá-lo a conhecer não apenas através das suas obras, mas também dos seus escritos. A celebração do Ano Paulino oferece-nos a possibilidade de publicarmos o II VolumeComentários às Cartas de S. Paulo, dos seus Escritos, tal como aparecem na Secção Nem só de pão vive o homem, do Jornal Amigo da Verdade”, acrescenta. O padre António Moiteiro Ramos conclui o Prefácio da obra referindo “que da escuta renovada da Palavra de Deus, sob a acção do Espírito Santo, possa brotar uma autêntica renovação da Igreja universal, das nossas comunidades cristãs e de todos os membros – internos e externos – da Liga dos Servos de Jesus”.
A obra de 186 páginas é composta por 41 comentários e pode ser adquirida em qualquer comunidade da Liga dos Servos de Jesus ou na Causa da Beatificação de D. João de Oliveira Matos.
António Fonseca

Igreja da Comunidade de São Paulo do Viso

Nº 5 801 - SÉRIE DE 2024 - Nº (277) - SANTOS DE CADA DIA - 2 DE OUTUBRO DE 2024

   Caros Amigos 17º ano com início na edição  Nº 5 469  OBSERVAÇÃO: Hoje inicia-se nova numeração anual Este é, portanto, o 277º  Número da ...