Através do e-mail hoje recebido do blogue PELA POSITIVA, do Amigo Rocha Martins, que acho muito interessante e quiçá também actualíssima, transcrevo o texto abaixo, pedindo as maiores desculpas pelo abuso. ANTÓNIO FONSECA
PELA POSITIVA
PELA POSITIVA |
Posted: 24 Nov 2014 03:16 AM PST
Crónica de Anselmo Borges
no DN de sábado
Em tempos de crise,
os governos, para a austeridade,
têm sempre facilmente à mão os reformados,
com este ou aquele nome
Há muito que me pergunto porque é que uns são reformados, outros jubilados, outros eméritos, outros pensionistas ou aposentados. Pus-me no encalço das palavras, à procura do seu sentido originário. O que aí fica é o resultado, confesso que um pouco apressado, desse exercício.
1. Claro que reformado vem de reforma. A reforma que, em certos contextos, aparece mais imediatamente é a Reforma protestante. Aqui, porém, ela tem que ver com a situação de ir para a reforma e receber uma reforma, que é, em princípio, um quantitativo em dinheiro. Reformado é, pois, o que passou à reforma, por ter atingido uma certa idade e trabalhado um certo número de anos, com os respectivos descontos, ou porque ficou pura e simplesmente incapacitado para o trabalho. De modo estranho, reforma vem do latim reformare, com o significado de voltar à primeira forma, restabelecer, alterar, e reformado é o que torna à sua primeira forma, mas também o desfigurado, modificado.
Quem diria que pensionista tem na sua raiz o verbo latino pensar e (pensar e pesar)? De facto, pensar e, palavra vinculada a pendere, em latim, significa pesar, no sentido de comparar pesos. Daí, pensar significa pesar razões, para entender, julgar e decidir. No caso de pensão, lá está o facto de pesar uma mercadoria e ter de pagá-la e, daí, pensionista como aquele ou aquela que recebe uma pensão.
Entre nós, os bispos, ao chegarem aos 75 anos, tornam-se eméritos, palavra que também se pode aplicar, sobretudo noutros países europeus, aos professores universitários. Emeritusé o particípio do verbo latino emerere, merecer, ter cumprido um serviço, ganhar algo a partir daí. O emérito é merecedor de um determinado status (pense-se, por exemplo, no Papa emérito Bento XVI) ou recompensa por ter terminado ou concluído adequadamente o seu serviço. Na Roma Antiga, emeritus aplicava-se concretamente ao veterano retirado do exército, mas também a outros casos. De qualquer modo, deve-se recompensar o mérito; mas será que ele existe em todos os casos?
O aposentado remete para o verbo latino pausar e, que significa parar para descansar, pousar, repousar. O hóspede "pousa" na casa de um amigo. Quem peregrina pela vida tem direito a pousar, repousar, descansar, fazer pausa, aposentar-se, cessando o trabalho.
Nomeadamente os magistrados e os professores universitários são jubilados. A palavra vem do latim jubilare, que significa lançar gritos de alegria, - originariamente, referia-se aos gritos e silvos dos camponeses para comunicar entre si e chamar o gado -, mas também tem que ver com a palavra hebraica yobel, som da trombeta a anunciar o jubileu, festa judaica que se celebrava cada 50 anos e que trazia a libertação e o repouso inclusivamente às terras. No jubileu cristão, o Papa concede indulgências especiais. A jubilação nasce da conexão entre o retirar-se após o ciclo do trabalho realizado e dos serviços prestados e a consequente satisfação - dizem as más línguas que, por vezes, no caso dos professores, o júbilo é sobretudo dos estudantes, que se vêem libertos de alguém incompetente, porque sabe pouco ou não sabe ensinar.
2. Apesar das diferenças nas categorias, nos títulos e sobretudo no quantitativo, por vezes miserável e escandalosamente diferente, da reforma, todos - pensionistas, eméritos, jubilados, aposentados-são sobretudo isso: reformados.
Claro, a reforma pode trazer alegria e o tal júbilo, porque se deixa de trabalhar com horários e todo o peso institucional e se pode repousar, fazer outras coisas que nunca se tinha podido fazer, ler, reflectir e recordar a vida e dedicar-se mais à família e aos amigos e recolher os frutos de uma vida preenchida. Mas ela pode também trazer o aumento dos achaques, uma solidão amarga e corrosiva, e, de qualquer modo, lembra a todos que se está na última fase da existência e que o futuro neste mundo será cada vez menos pujante. Decisivo é então esforçar- se por manter a actividade física, mental, social, criar a sedução por novos interesses e talvez dar a Deus o lugar que nunca teve. É preciso viver sempre intensamente cada instante do milagre exaltante do mundo e do existir.
3. Mas é preciso reconhecer também que há algo de cínico e sarcástico na palavra jubilação (em Espanha, usa-se para todos) , sobretudo quando se pensa como são tratados os reformados, os tais que a sociedade abandona porque são velhos, e deixaram o trabalho por invalidez e velhice, considerados agora socialmente inúteis, porque não produtivos, e, por isso, colocados em depósitos à espera do fim.
Cá está: em tempos de crise, os governos, para a austeridade, têm sempre facilmente à mão os reformados, com este ou aquele nome, porque pouca ou nenhuma falta fazem - podem até ser considerados um peso para os outros e sobretudo para o erário público -, e, assim, nem protestar podem, muito menos com uma greve, porque ninguém precisa deles. Que júbilo!
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Posted: 23 Nov 2014 01:40 AM PST
Crónica de Frei Bento Domingues
no PÚBLICO
Que rei é este que esvazia
a solenidade divina
e exalta a condição humana?
1. A celebração litúrgica de Cristo Rei foi instituída por Pio XI, em 1925, com as monarquias em crise e as repúblicas em conflito com a Igreja Católica.
Tornou-se, depois, a coroa do ano litúrgico que recomeça com o Advento, ritmando o infindável acontecer da graça divina – simbolizado na Liturgia – que atinge todos os tempos e lugares, como fonte de libertação das nossas servidões mentais e afectivas, antigas ou novas, materiais, culturais ou religiosas. Sem um programa libertário, o ciclo litúrgico anual dará a ideia do eterno retorno do mesmo.
Quem, por outro lado, desejar conhecer a história do Santuário Nacional de Cristo Rei, elevado, em Almada, a 113 metros acima do Tejo, pode recorrer às informações do Google. Mas com ou sem esse facilitador, abandone os preconceitos e suba ao miradouro mais abrangente sobre a deslumbrante e inesgotável beleza de Lisboa. Regale os olhos e medite no que o tempo faz às cidades e à nossa vida, entre a ruina e o contínuo renascer. Com passaportes dourados ou não, não deixemos privatizar as cidades de milenares gerações de povos e culturas. Que as mil formas de criatividade as tornem cada vez mais acolhedoras.
A simbólica bíblica de “Cristo Rei” implica a luta contra miragens de grandeza efêmera das dominações imperiais e a redescoberta de uma cidadania de acolhimento e serviço de todos, a começar pelos mais pobres, os sobrantes e descartáveis, na linguagem do Papa Francisco.
2. A escolha dos textos da liturgia deste Domingo é particularmente sugestiva [1] , ao centrar-se no final do cap. 25 do Evangelho de S. Mateus, composto por três parábolas, que podem ser lidas em separado. Eu prefiro juntá-las num quadro de oposições paradoxais.
A primeira, muito vizinha da fábula da cigarra e da formiga – a das virgens loucas e das prudentes – retrata um mundo no qual ninguém dá nada a ninguém e a ocasião perdida é irrecuperável. A solidariedade favorece a imprevidência.
A segunda, a parábola dos talentos, parece consagrar a roda da sorte e das desigualdades na distribuição das oportunidades sociais. Quem muito tem, e esperteza, terá cada vez mais; quem tem pouco e calcula com medo de perder, até o pouco que lhe saiu, na arbitrária roleta da sorte, lhe será tirado.
Moral da história: este mundo é das grandes empresas e dos bons gestores. Com os pequenos não adianta perder tempo; falta-lhes habilidade para sair da cepa torta.
Estas duas parábolas deixam os actores sociais à sua inteira liberdade e premeiam os mais aptos, como manda a lei da selecção natural. Não se entende como é que S. Mateus as deixou entrar no seu Evangelho. Não rimam nada com a mensagem de Cristo. Ao reagir assim, esquecemos a terceira parábola. Parece uma carta fora do baralho e, no entanto, é a que leva a tribunal as duas anteriores. Nessas combate-se a imprevidência e o desaproveitamento dos recursos e das capacidades de os fazer render. Parecem mais perto do capitalismo selvagem do que do Estado Social. De facto, falam de outra coisa, daquilo que o Papa Francisco não se cansa de lembrar: os sobrantes, os descartáveis. Estes não serão seres humanos? Não serão nossos irmãos?
É precisamente destes que trata a terceira e a mais solene das parábolas: o Senhor da História universal chama a contas o mundo inteiro. O que divide ou separa as pessoas e as julga é a atitude concreta que tiveram ou têm em relação àqueles que nada podem fazer por si mesmos.
A radicalidade religiosa da parábola e o último teste do sentido da vida, presente no desenrolar do mundo, espanta tanto os que procedem bem como os que procedem mal. Na hora da sentença, o juíz desta parábola identifica-se com aqueles que foram socorridos ou esquecidos: tive fome e deste-me de comer (ou não), estive doente e foste visitar-me (ou não) …
Ninguém se apercebeu que, no dia-a-dia, no serviço que prestou ou não, estava a tocar no que há de mais Absoluto, estava a servir ou a trair o próprio Deus. A causa de Deus e a causa do ser humano é a mesma. O segundo mandamento não se distingue do primeiro, um nunca anda sem o outro, haja ou não consciência disso.
Que rei é este que esvazia a solenidade divina e exalta a condição humana?
3. Conhecidos jornalistas alemães [2], do âmbito económico, não encontraram nenhuma alegria na Exortação Apostólica, Evangellii Gaudium,do Papa Francisco. Submeteram-na a fortes críticas e atribuem-lhe uma grande animosidade contra a economia de mercado e o capitalismo. Se Bergoglio quer diálogo é preciso contradizê-lo. O conjunto desses textos tenta arrasar as observações que o Papa faz sobre economia que mata e os remédios que aponta para combater a pobreza.
Pode ser que tenham razão, mas lembrei-me do Evangelho que inspira o novo Papa, mas que não beneficia muito os que o atacam: Ninguém pode servir a dois senhores. Com efeito, ou odiará um e amará outro ou se apegará a um e desprezará a outro. Não podeis servir a Deus e ao Dinheiro. Os fariseus, amigos do dinheiro, ouviam tudo isso e zombavam dele. (Lc 16, 13-14)[1] Ez 34, 11-17; Sal 22; 1Cor.15 20-27; Mt.25,31-46 [2] Cf. Friedhelm Hengsbach, El Papa se equivoca - El Papa tiene razón, Selecciones de Teología, 212, 2014, pg 253-260 |
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ANTÓNIO FONSECA
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