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segunda-feira, 30 de março de 2009

Trivialidades da vida. A virtude cristã - S. Paulo

Catholic.netDo site: es-catholic.net, ou melhor de um e-mail que recebi deste site, transcrevo a tradução em português, do texto
Fonte: Catholic.net Autor: Pedro García - Missionário Claretiano O Papa Benedicto XVI estabeleceu o Ano do Apóstolo S. Paulo, compreendido entre as datas 28 de Junho de 2008 a 29 de Junho do ano 2009, para comemorar o Bimilenário do nascimento de Paulo, o homem mais providencial que Deus deu à Igreja nascente. Nas meditações de Segunda e Quarta-feira realizaremos um modesto programa que pretende dar a conhecer a vida do Apóstolo e expor em forma simples a doutrina cristã de suas cartas imortais, as catorze clássicas, incluindo a dos Hebreus, a qual contém claramente de principio ao fim o pensamento paulino, e encontrar por nós mesmos os ensinamentos que Paulo nos transmite a todos. Pedro García Misionero Claretiano.
____________________________ ¿Podemos enganar-nos ao ler a S. Paulo?...
A estas horas estamos acostumados a contemplar a Paulo como um ser excepcional, quase como um fenómeno extraterrestre, por tantas coisas de sua vida legendária e por umas doutrinas tão elevadas que nos deixam pasmados. Se pensássemos assim, estaríamos muto equivocados, certamente. Paulo, das grandes alturas, era um homem que tinha mui assentes os pés na terra. Sabia que a vida do cristão é a normal de todo o homem. O único que Paulo queria é que o cristão fosse extraordinário no ordinário de cada dia. Alguns textos de suas cartas são desconcertantes, precisamente pelo simples que ensinam e pedem. Paulo nos pode perguntar: ¿Como querem conseguir o Reino de Deus? ¡É tão fácil! “Ou seja, que comam, que bebam, ou façam qualquer outra coisa, fazendo tudo para glória de Deus (1Co 10,31) “Porque o Reino de Deus é justiça, paz e alegria no Espírito Santo. Pois quem serve assim a Cristo faz-se agradável a Deus e é aprovado pelos homens” (Ro 14,17-18). “Pelo mesmo, estejam sempre alegres no Senhor; repito, estejam sempre alegres” (Flp 4,4) Qualquer um que leia estas normas de proceder, poderia dizer: ¿A isso se reduz tudo?... Pois, sim. Isto é a vida cristã. E isto era Paulo, ainda que pareça o contrário. Tanto é assim, que se atreve a dizer repetidamente: “Rogo-lhes que sejam meus imitadores…, como eu sou de Cristo”. “Porque já sabem como devem imitar-nos, pois estando entre vós não vivemos desordenadamente” (1Co 4,16; 11,1. 2Ts 3,7) Paulo é capaz de dar semelhantes conselhos porque tem consciência de proceder igual ao que fazia o Senhor Jesus, o Homem feito de toda a perfeição, “o primeiro cavalheiro do mundo”, como já foi atinadamente definido. Modernamente, em qualquer sistema de educação, dá-se muita importância à formação nas virtudes humanas, como são a educação, a sinceridade, o culto à verdade, o sentido de justiça, o respeito aos demais. Isso está magnífico. Por isso, se se quer ter o cristão convertido num santo ou numa santa, o melhor é começar por fazer de ele todo um cavalheiro ou toda uma dama. A graça de Deus trabalha magníficamente sobre os valores humanos. Pensando nisto, Paulo tem um conselho a seus queridos Filipenses que passa como o mais fino que saíu de sua pena, e que se repete tantas vezes: “Tenham em sumo apreço tudo quanto há de verdadeiro, de nobre, de justo, de puro, de amável, de honorável, tudo o que signifique virtude ou valor. “Ponham por obra tudo quanto hão aprendido e recebido e ouvido de mim. Deste modo, o Deus da paz estará com vocês” (Flp 4,8-9) S. Paulo, que quer aos cristãos vê-los convertidos nos melhores homens e nas mulheres mais belas e queridas, segue dando normas tão simples como práticas. “Detestem o mal e apeguem-se ao bem”, “sendo sensatos para todo o bem e cautelosos ante qualquer coisa má” (Ro 12,9; 16,19) E concretiza sua pergunta: ¿Querem fazer sempre o bem e que nunca os domine o mal? Lhes dou uma norma muito simples, cara a Deus e cara aos homens: “Mantenham-se fervorosos, servindo ao Senhor; perseverem na oração; compartilhem vossos bens com os outros; alegrem-se com os que estão alegres, e acompanhem na sua dor aos que choram” (Ro 12,11-15) E nas dificuldades, não tenham medo: “Mantenham-se firmes na fé, ¡sejam homems!, mostrem-se firmes” (1Co 16,13) ¿Damo-nos conta? Tudo o que dita Paulo são práticamente virtudes humanas, mas que la graça e o amor elevam as alturas de Deus. Como nos há dito antes S. Paulo, isto era a vida de Jesus, o que agora se propõe como o modelo supremo, e dele que Paulo é un grande imitador. Jesus Cristo é o tipo de toda perfeição, e Deus Pai, diz Paulo, o oferece à Igreja como o espelho em quem olhar-se, a mesma cara ao céu, que cara à vida humana, na terra: Deus predestinou de antemão a todos os que elegeu a sair conformes a imagem de seu Filho (Ro 8,29) Este ideal se há vivido sempre na Igreja com grandes ilusões e tem produzido figuras de santidade excelsas. Por exemplo, um Vicente de Paulo, que antes de realizar qualquer coisa, até a mais simples, se perguntava: - ¿Que faria aqui e agora, Cristo, se estivesse no meu lugar?... Naturalmente, Vicente de Paulo saiu um retrato maravilhoso de Jesus Cristo. Isto é o que significa essa expressão tão repetida por Paulo: Revestir-se de Cristo”, como quando escreve aos de Galácia: “Todos quantos se hão baptizado em Cristo se hão revestido de Cristo (Gal 3,27) Os primeiros cristãos sabiam muito bem isto de Paulo e se comparavam com os filósofos gregos ou romanos, que sabiam vestir-se de toga apropriada à sua profissão. Um escritor cristão de então, o expressava com palavras que são clássicas na Igreja: “Nós demonstramos nossa sabedoria cristã não pela toga nem ootro hábito, mas sim por nossa fé e doutrina; não peroramos coisas eloquentes, mas sim as que vivemos” (Minucio Félix) Hoje Paulo se colocou à nossa altura. Ficou no trivial da vida. Mas nos disse, e o entendemos muito bem, que o cristão é um homem como os outros, que faz as coisas dos demais, mas que vive e faz tudo de maneira diferente que os demais. Porque tudo faz igual a Jesus Cristo, e aí está o extraordinário da vida ordinária do seguidor de Jesus Cristo http://es-catholic.net/santoral Compilado, recolhido e traduzido por António Fonseca

terça-feira, 24 de março de 2009

Leitura 46 - "Um Ano a Caminhar com S. Paulo"

46

“EXORTO, POIS, A QUE ANTES DE TUDO SE FAÇAM PRECES, ORAÇÕES, SÚPLICAS, ACÇÕES DE GRAÇAS POR TODOS OS HOMENS”

A meio das nossas celebrações, pelo menos da Eucaristia, é feita a Oração dos Fiéis ou Universal. É universal, porque é dos fiéis e vice-versa: se nela exprimimos a nossa fé, iluminada e fortalecida pela Palavra de Deus e proclamada no Credo, então temos de ver o mundo inteiro com o olhar amoroso de Deus, Senhor de tudo e de todos.

E, de facto, desta oração fazem parte preces cujo conteúdo vai para além dos limites da Igreja. Ou deve ir. É que a verdade da oração também se medir pelos seus efeitos. E se falham, pode pelo menos perguntar-se se a culpa é só daqueles por quem rezamos ou também nossa. Será que todos rezamos bem?

De alguns fica-se com a impressão de que lhes bastam as suas orações, para se sentirem com o dever cumprido. Como se a vida cristã se pudesse encerrar nos limites dos tempos e lugares sagrados. Se há tantos cristãos que, no mundo, não dão um testemunho prático, destemido e persistente da sua fé, é porque não rezam ou rezam mal, o que, na prática, vai dar no mesmo.

É desta relação entre a oração e intervenção cristã no mundo que Paulo nos fala em 1 Tm 2, 1-7, na abertura da parte da carta dedicada à organização e disciplina da Igreja (2, 1-3, 16), que então, finais do século I, era ameaçada por correntes de pensamento gnóstico, tendentes a reduzi-la a uma elite de iluminados e a afastá-la do mundo (1, 3-20; 4, 1-16). Para além de motivos doutrinais, talvez pensassem que, deste modo, as comunidades cristãs venceriam mais facilmente o isolamento social a que estavam a ser votadas. Um erro que Paulo tenta corrigir, chamando a atenção para a tarefa fundamental dos cristãos no mundo... também de hoje, e a partir da oração.

1 Tm 2, 1-7

Exorto, pois, a que antes de tudo se façam preces, orações, súplicas, acções de graças por todos os homens, pelosa reis e por todos os que estão constituídos em autoridade, a fim de que levemos uma vida serena e tranquila, com toda a piedade e dignidade. Isto é bom e agradável diante de Deus, nosso Salvador, que quer que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade.

Pois há um só Deus e um só mediador entre Deus e os homens, o homem Cristo Jesus, que se entregou a si mesmo como resgate por todos. Tal é o testemunho dado nos tempos devidos

Foi para isso que eu fui constituído arauto e apóstolo – Digo a verdade, não minto – mestre dos povos, na fé e na verdade.

Paulo diz-nos, primeiro, o que temos de fazer (vv. 1-2) e, depois, por que o devemos fazer (vv. 3-7). Mas deste modo: as razões que nos levam a agir são constitutivas do dever a cumprir. A expressão por todos os homens aparece tanto na exortação (v. 1) como na sua fundamentação (vv. 4 e 6). A conduta moral é parte imprescindível da existência e identidade cristã, numa relação de total mutualidade; para realizarmos a nossa missão, temos não apenas de a conhecer, mas necessitamos de energia para a cumprir, a mesma que está na sua origem.

É essa energia que a oração nos pode proporcionar. Daí que esta esteja antes de tudo (v. 1). Tudo o resto depende dela, porque tudo é possível a quem crê (Mc 9, 23; cfr 11, 23s; Mt 21, 21; Lc 17, 6). De facto, que é a oração, senão uma expressão e um exercício da fé? Mormente, se é vista na pluralidade e totalidade das suas formas, tais quais são apresentadas por Paulo.

Assim, se nas preces e súplicas pensamos primariamente em nós próprios e nos outros, pelas orações e acções de graças, o nosso coração está predominantemente voltado para Deus, Na primeira perspectiva, a horizontal, somos movidos pela consciência das necessidades e fragilidades humanas, o ponto de partida humano para entrega de fé ao Deus que tudo pode. É em situações de perdição que mais facilmente nos abrimos à oferta salvação. Mas só isso não basta. Senão, caímos facilmente no erro de recorrermos a Deus, somente quando dele precisamos, podendo chegar ao ponto de tentarmos sujeitá-lo aos nossos interesses, tantas vezes egoístas. Para evitar tal perversão da oração, é fundamental abrirmo-nos ao sentido vertical da mesma: em atitude de reconhecimento, dar graças a Deus pelas imensas graças que Ele, independentemente dos nossos méritos e sem acepção de pessoas, a todos concede. Só deste modo a nossa oração participa do seu poder e amor ilimitados.

Daí que rezemos, não somente por nós e pelos que a nós directamente estão ligados, mas por todos os homens, porque Deus, efectivamente, quer que todos os homens sejam salvos (v. 4), e a maior prova disso é que Cristo se entregou mesmo como resgate para todos (v. 6). A referência explícita aos detentores máximos da autoridade e seus colaboradores imediatos (v. 4) deve-se obviamente à sua especial responsabilidade pelos destinos dos povos. Mas, vamos rezar por eles, mesmo sendo incrédulos e até perseguidores dos cristãos, como eram, os de então? Nesse caso, com mais razão. Mas, não. Necessariamente, para que se convertam à fé cristã.

Para já, o importante é que cumpram a sua missão, isto é, façam tudo para que levemos uma vida serena e tranquila, com toda a piedade e dignidade (v. 2), uma vida em que sejam respeitados os direitos de cada um na sua dupla relação com Deus, pela piedade, e com os outros, pela dignidade. Para os cristãos, estava incluída nisso a liberdade religiosa, necessária para a sua actividade missionaria.

Uma liberdade que, porém, deviam conquistar pelo modo mais convincente e eficaz; não se conformando com o mundo, naquilo que nele é contrário ao bem do homem, mas também não se isolando dele. Pelo contrário, na medida em que nele intervém activamente, já estão a anunciar pela prática de vida, a verdade do Evangelho de que vivem: a do extremo e único amor de Deus, expresso pelo único mediador entre Deus e os homens, o homem Cristo Jesus (v. 5). É chamado homem, porque foi na sua encarnação que começou a obra de salvação que culminou na cruz, onde se entregou a[af1] si mesmo como resgate por todos (v. 6). É este o conteúdo do Evangelho de que nós, cristãos, devemos dar testemunho nos tempos devidos, que, depois da ressurreição de Cristo, são também aqueles em que vivemos.

Tudo indica que este conteúdo do Evangelho, de que Paulo foi constituído arauto e apóstolo (v. 7), era uma fórmula de fé, proclamada nas celebrações litúrgicas de então. Hoje, é no centro da maior acção de graças que Cristo nos oferece o seu sangue, dizendo-nos ter sido derramado por vós e por todos, para remissão dos pecados. É este mistério da fé que nos capacita para a mesma caridade por todos. Se a praticarmos, também isto é bom e agradável diante de Deus nosso Salvador (v. 3)... quase como dizemos na introdução do prefácio que antecede a anáfora eucarística.

In: "Um Ano A Caminhar Com S. Paulo"

de: D. Anacleto Oliveira

(Bispo Auxiliar de Lisboa)

24-03-2009


quinta-feira, 19 de março de 2009

ANO PAULINO - Leitura Nº 45 - "Um Ano a Caminhar com S. Paulo"

45

“QUE TODA A PESSOA SE SUBORDINE ÀS AUTORIDADES PÚBLICAS”

Fala-se muito dos direitos que cabem aos cidadãos por parte do Estado. Talvez se fale menos dos correspondentes deveres. Mas pior ainda é se os não cumprem. Para nós, cristãos, por razões que vão além do circuito jurídico de direitos e deveres.

Paulo adverte-nos para isso em Rm 13, 1-10, em termos, no entanto, nada fáceis de interpretar. As suas palavras foram usadas, ao longo da história, designadamente para sancionar medidas expressivas de um absolutismo estatal, contrário ao bem do homem e à mensagem cristã.

Se, porém, as lermos no seu contexto histórico e literário, apercebemo-nos de que Paulo, com elas, não expõe qualquer teoria sobre o sistema estatal, mas apenas se dirige às comunidades cristãs de Roma, para as ajudar a viver e sobreviver, nos condicionalismos a que estavam sujeitas; além do reduzido número dos seus membros, encontravam-se em pleno processo de autonomização, após após a separação do berço onde tinham nascido, as sinagogas judaicas.

Mas, fora disto, os princípios por que Paulo se orienta são perfeitamente aplicáveis e até necessários nos nossos dias.

Rm 13, 1-10

Que toda a pessoa se subordine às autoridades públicas, pois não existe autoridade que não venha de Deus e as que existem foram por Deus estabelecidas. Por isso quem resiste à autoridade, opõe-se à ordem querida por Deus, e os que se opõem receberão a condenação. É que os detentores do poder não são temidos por quem pratica o bem, mas por quem pratica o mal. Não queres ter medo da autoridade? Faz o bem e receberás os seus elogios. De facto, ela está ao serviço de Deus para te incitar ao bem. Mas, se fazes o mal, então deves ter medo, pois para alguma coisa ela traz a espada. De facto, ela está ao serviço de Deus, para castigar aquele que pratica o mal. É por isso que é necessário subordinar-se, não só por causa do castigo, mas também por causa da consciência.

É também por essa razão que pagais impostos; aqueles que têm de se ocupar disso são funcionários de Deus. Dai a cada um o que lhe é devido; o imposto, a quem se deve o imposto; a taxa, a quem se deve a taxa; o respeito, a quem se deve o respeito; a honra, a quem se deve a honra.

Não fiqueis a dever nada a ninguém, a não ser isto: amar-vos uns aos outros. Pois quem ama o outro cumpre a Lei. De facto, «não cometerás adultério, não matarás, não furtarás, não cobiçarás», bem como qualquer outro mandamento, estão resumidos nesta palavra: «Amarás o teu próximo como a ti mesmo». A caridade não faz mal ao próximo. Portanto, é na caridade que está o cumprimento da lei.

Do verbo sub-ordinar-se (v. 1 e 5) faz parte o termo ordem (v. 2). E como sem ordem não há sociedade que sobreviva, por isso, além de um dever, é um bem para cada cidadão subordinar-se às normas e instâncias que garantem a sua ordem. Mas uma subordinação que seja activa: em que eu e cada um, cumprindo o que me compete, contribuo realmente para o bem comum. Só assim estou em condições convincentes, para reivindicar os meus direitos e criticar e corrigir quem não faz o que deve... e, ainda, para compreender o fundamento teológico das exortações de Paulo.

Que a ordem na sociedade é, desde sempre, querida por Deus (v. 2), é óbvio. Basta ler os relatos da criação do mundo (Gn 1-2) e do povo de Israel (Ex 20ss). Que dessa ordem faça parte a existência de autoridades públicas que, ao serviço de Deus, promovam o bem dos cidadãos, incitando os que o praticam e castigando os prevaricadores (vv. 3s), está igualmente fora de questão. O regime monárquico em Israel foi aprovado por Deus, ainda que travando os seus abusos, por meio dos profetas. Que cada cidadão contribua para os cofres do estado, pagando os devidos impostos e taxas (v. 6s), faz parte do mandamento do Decálogo que manda não furtar. Que não existe autoridade que não venha de Deus (v. 1), era já convicção corrente nos escritos sapienciais (Pr 8, 15s; Sir 17, 17; Sb 6, 3s; Dn 2, 21). Que os detentores da autoridade tenham consciência dessa dependência, só os beneficiaria, mas não é indispensável. O importante é que pratiquem o bem, conforme exige a natureza humana, criada por Deus.

O problema é o não fazem. Como se pode dizer, nesses casos, que as autoridades públicas que existem, foram por Deus estabelecidas (v. 1)? Se ao menos Paulo distinguisse entre fiéis e infiéis à vontade de Deus. Mas não. Também aos infiéis toda a pessoa se deve subordinar (v. 1). Mesmo quando as leis que promulgam são claramente imorais? Ou, pela espada, se recorre à pena de morte para eliminar os prevaricadores (v. 4)? Ou ainda, como era corrente então, o sistema de impostos desrespeitava, no montante e no modo como eram extorquidos, as normas mais básicas da justiça e do respeito pelos bens e a vida das pessoas? Como subordinar-se a quem, com tudo isso, em vez de ordem, era causa de desordem moral?

Que Paulo não apela, sem mais, a uma subordinação cega e resignada, dá-o já a entender, quanto ao medo do castigo, no juízo final, acrescenta razões de consciência (v. 5). Esta é a última e decisiva instância para saber o que devo fazer e como ajuizar a responsabilidade moral dos meus actos: a consciência, iluminada pela fé que actua pela caridade (Gl 5, 6). É nesse sentido que, depois de apelar ao pagamento de todas as dívidas (v. 7), Paulo conclui: Não fiqueis a dever nada a ninguém, a não ser isto: amar-vos uns aos outros (v. 8). É pela caridade, como dever ilimitado, que me tenho de orientar quanto ao cumprimento de todas as leis (v. 9), em duas vertentes:

1. Quem ama o outro cumpre a Lei em toda a sua plenitude (v. 8); os quatro preceitos da segunda parte do Decálogo citados (v. 9) e todos os outros, incluindo o pagamento de impostos e a subordinação às autoridades públicas. Mas cumpre-os, não () por medo do castigo, mas porque assim não faz mal ao próximo (v. 10). E, se o bem dos outros é a medida dos meus actos, então por eles faço até o que não está estipulado por lei. A caridade não tem limites.

2. E, porque não tem limites, quem, ama, pode também ver-se obrigado a não cumprir o que está legislado: ou porque a lei em causa imoral ou porque as circunstâncias assim o exigem. Se, num caso e no outro, cumprir a lei limita ou destrói o bem do próximo, então, por consciência, não devo fazer. Sempre?

Pode também haver situações em que a consciência me obriga a fazer o que não devia, para evitar males maiores. Era o caso das comunidades cristãs de Roma. Nas circunstâncias em que se encontravam, a rebelião contra a ordem pública ser-lhes-ia fatal. Porque a caridade é paciente, ela tudo espera, tudo suporta (1 Cor 13, 4.7), na certeza de que, assim e a seu tempo, o bem triunfará. Não foi assim que Cristo triunfou sobre a morte?

18-03-2009

sábado, 14 de março de 2009

ANO PAULINO - Leitura Nº 43

43

“TENDO RENUNCIADO À IMPIEDADE E AOS DESEJOS MUNDANOS, VIVAMOS DE MODO PRUDENTE, JUSTO E PIEDOSO

Há cristãos que, pela sua idade, responsabilidades ou outras circunstâncias, precisam de uma especial atenção, designadamente a nível das orientações morais. Pode ser o caso das pessoas idosas, dos jovens, das esposas e mães.

É para esses grupos que Paulo escreve em Tt 2, 1-15, juntando ainda os escravos, então muito numerosos. Não se dirige, porém, directamente a essas pessoas, mas a Tito, seu antigo colaborador e agora responsável por uma comunidade cristã. Paulo comunica-lhe o que ele, por sua vez, deve ensinar na sua comunidade. Com isto, as suas palavras adquirem um cunho eclesial próprio: contribuem para a construção da Igreja, uma vez que os destinatários são tratados como seus membros.

Esta eclesial idade é tanto mais de assinalar, quanto Paulo adopta as chamadas tabelas domésticas, documentadas por outros escritos de então. Eram um conjunto de regras destinadas aos diversos e, em muitos casos, numerosos membros dos agregados familiares, em ordem ao bom funcionamento destes. Em parte, são assumidas no NT (C1 3, 18-4, 1; Ef 5, 21-6,9; 1 Pd 2, 13-3.7), onde recebem, acima de tudo, uma fundamentação cristã. Com a marca eclesial, específica de Tt 2, 1-15, o nosso comportamento cristão é integrado na missão da Igreja, nomeadamente para com a família e a sociedade.

Tt 2, 1-15

Tu, porém, fala do que é conforme a sã doutrina:

Os anciãos sejam sóbrios, dignos, prudentes, firmes na fé, na caridade, na paciência. Do mesmo modo, as anciãs tenham um comportamento reverente, não sejam caluniadoras nem escravas de muito vinho, mas mestras do que é bom, a fim de orientarem as jovens a amarem os maridos, a amarem os filhos, a serem prudentes, castas, boas donas de casa, subordinadas aos maridos, a fim de que a Palavra de Deus não seja difamada.

Exorta do mesmo modo os jovens a serem prudentes em tudo, apresentando-te a ti próprio como modelo de boas obras; no ensino, mostra integridade, dignidade, uma palavra sã, irrepreensível, para que o adversário fique envergonhado, por não ter nada de mal a dizer de nós.

Os escravos sejam subordinados aos seus próprios senhores em tudo, sejam-lhes agradáveis, não os contradigam, não os defraudem, mas mostrem-lhes toda a devida lealdade, a fim de honrarem a doutrina de Deus nosso Salvador em tudo.

Com efeito, manifestou-se a graça de Deus, portadora de salvação para todos os homens, ensinando-nos que, tendo renunciado à impiedade e aos desejos mundanos, vivamos de modo prudente, justo, piedoso, no século presente, aguardando a bem-aventurada esperança e a gloriosa manifestação do nosso grande Deus e Salvador Jesus Cristo, que se entregou por nós, a fim de nos resgatar de toda a iniquidade e de purificar para si um povo da sua exclusiva posse e zeloso na prática das boas obras.

Fala destas coisas, exorta e repreende com toda a autoridade. Que

ninguém te despreze.

É sã a doutrina a transmitir, na medida em que, isenta de desvios susceptíveis de corromper a sua originária e íntegra ligação a Cristo e ao Apóstolo (1, 6-10), contribui para a saúde dos seus destinatários, a quatro níveis:

1. É saudável para os próprios, individual e, sobretudo, socialmente. Já então, os anciãos eram apreciados pela sua sobriedade, dignidade e prudência (v. 2). E as anciãs, pelo respeito que angariavam, evitando, por exemplo, calúnias e excessos de álcool, eram um incentivo à prática do bem (v. 3), mormente para as jovens esposas e mães, levando-as a amar os maridos e filhos, na prudência, fidelidade matrimonial, arranjo da casa, subordinação aos maridos (v. 5). Aos jovens, devido à sua imaturidade, é compreensível que se pedisse, primariamente, prudência (v. 6). Dos escravos esperava-se uma subordinação que os tornasse agradáveis aos seus senhores e se concretizava na lealdade e no respeito pelas suas ordens e seus bens (vv. 9s).

É claro que, deste modo, a Igreja contribuía para a necessária ordem social então apoiada na estrutura familiar. Mas a que custos? Será saudável exigir a total subordinação das esposas e dos escravos, sem, ao menos, as contrapartidas da parte dos maridos e senhores, exigidas em C1 3, 18-4,1 ? Onde está a igual dignidade de todos os cristãos, proclamada em G1 3, 28; 1 Cor 12, 13 e C1 3, 11?

2. É saudável para a Igreja nas situação em que se encontra nos finais do séc. I, isto é, a debater-se com heresias que ameaçam a sua identidade e unidade. E, sem esta, que credibilidade pode ter o Evangelho que anuncia? A fim de que a Palavra de Deus não seja difamada ou a fim de honrarem a doutrina de Deus nosso Salvador, por isso é que às esposas e aos escravos é pedida subordinação (vv. 5, 10). Além disso, o silêncio em relação aos maridos e aos senhores, é na fé, na caridade e na paciência que se manifesta a sua conduta cristã. Por isso, esta conduta:

3. É saudável para a própria sã doutrina, exposta nos vv. 11-14, como manifestação da graça de Deus, portadora de salvação para todos os homens (v. 11). Cronologicamente, esta manifestação começou com a entrega de Cristo por nós, a fim de nos resgatar de toda a iniquidade e de purificar para si um povo da sua exclusiva posse (v. 14). Este acontecimento, fundador da Igreja e anunciado no Evangelho, levou por sua vez, os que nele crêem a renunciar, no Baptismo, à impiedade e aos desejos mundanos (v. 12). Uma renúncia que se prolonga por toda a sua vida, se for vivida de modo prudente, justo, piedoso, no século presente (v. 12) e na prática das boas obras (v. 14). Um, comportamento que é sinal e garantia da definitiva já que nele, aguardamos a bem-aventurada esperança e a gloriosa manifestação do nosso grande Deus e Salvador Jesus Cristo (v. 13).

Repare-se como a nossa conduta moral faz parte deste processo salvífico. E se este se deve à graça de Deus então o específico do nosso procedimento é a gratuidade, que é ilimitada, tanto no bem, que praticamos como nas pessoas a quem o fazemos.

4. É saudável para o responsável pela vida das comunidades cristãs, ao qual, para isso, foi concedida a autoridade de comunicar a doutrina cristã, der exortar a pô-la em prática e de corrigir os que dela se desviam (v. 14). A eficácia da sua missão depende, porém, do modo como o faz: se no ensino mostra integridade, dignidade, se é realmente modelo de boas obras (v. 7s). Haverá então alguém que o despreze (v. 15)? Quando muito, quem, mesmo assim, teimar em rejeitar a sã doutrina.

13-03-2009

Do Livro

UM ANO A CAMINHAR COM SÃO PAULO

da autoria de

D. Anacleto de Oliveira - Bispo Auxiliar de Lisboa

António Fonseca

Igreja da Comunidade de São Paulo do Viso

Nº 5 801 - SÉRIE DE 2024 - Nº (277) - SANTOS DE CADA DIA - 2 DE OUTUBRO DE 2024

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