terça-feira, 24 de março de 2009

Leitura 46 - "Um Ano a Caminhar com S. Paulo"

46

“EXORTO, POIS, A QUE ANTES DE TUDO SE FAÇAM PRECES, ORAÇÕES, SÚPLICAS, ACÇÕES DE GRAÇAS POR TODOS OS HOMENS”

A meio das nossas celebrações, pelo menos da Eucaristia, é feita a Oração dos Fiéis ou Universal. É universal, porque é dos fiéis e vice-versa: se nela exprimimos a nossa fé, iluminada e fortalecida pela Palavra de Deus e proclamada no Credo, então temos de ver o mundo inteiro com o olhar amoroso de Deus, Senhor de tudo e de todos.

E, de facto, desta oração fazem parte preces cujo conteúdo vai para além dos limites da Igreja. Ou deve ir. É que a verdade da oração também se medir pelos seus efeitos. E se falham, pode pelo menos perguntar-se se a culpa é só daqueles por quem rezamos ou também nossa. Será que todos rezamos bem?

De alguns fica-se com a impressão de que lhes bastam as suas orações, para se sentirem com o dever cumprido. Como se a vida cristã se pudesse encerrar nos limites dos tempos e lugares sagrados. Se há tantos cristãos que, no mundo, não dão um testemunho prático, destemido e persistente da sua fé, é porque não rezam ou rezam mal, o que, na prática, vai dar no mesmo.

É desta relação entre a oração e intervenção cristã no mundo que Paulo nos fala em 1 Tm 2, 1-7, na abertura da parte da carta dedicada à organização e disciplina da Igreja (2, 1-3, 16), que então, finais do século I, era ameaçada por correntes de pensamento gnóstico, tendentes a reduzi-la a uma elite de iluminados e a afastá-la do mundo (1, 3-20; 4, 1-16). Para além de motivos doutrinais, talvez pensassem que, deste modo, as comunidades cristãs venceriam mais facilmente o isolamento social a que estavam a ser votadas. Um erro que Paulo tenta corrigir, chamando a atenção para a tarefa fundamental dos cristãos no mundo... também de hoje, e a partir da oração.

1 Tm 2, 1-7

Exorto, pois, a que antes de tudo se façam preces, orações, súplicas, acções de graças por todos os homens, pelosa reis e por todos os que estão constituídos em autoridade, a fim de que levemos uma vida serena e tranquila, com toda a piedade e dignidade. Isto é bom e agradável diante de Deus, nosso Salvador, que quer que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade.

Pois há um só Deus e um só mediador entre Deus e os homens, o homem Cristo Jesus, que se entregou a si mesmo como resgate por todos. Tal é o testemunho dado nos tempos devidos

Foi para isso que eu fui constituído arauto e apóstolo – Digo a verdade, não minto – mestre dos povos, na fé e na verdade.

Paulo diz-nos, primeiro, o que temos de fazer (vv. 1-2) e, depois, por que o devemos fazer (vv. 3-7). Mas deste modo: as razões que nos levam a agir são constitutivas do dever a cumprir. A expressão por todos os homens aparece tanto na exortação (v. 1) como na sua fundamentação (vv. 4 e 6). A conduta moral é parte imprescindível da existência e identidade cristã, numa relação de total mutualidade; para realizarmos a nossa missão, temos não apenas de a conhecer, mas necessitamos de energia para a cumprir, a mesma que está na sua origem.

É essa energia que a oração nos pode proporcionar. Daí que esta esteja antes de tudo (v. 1). Tudo o resto depende dela, porque tudo é possível a quem crê (Mc 9, 23; cfr 11, 23s; Mt 21, 21; Lc 17, 6). De facto, que é a oração, senão uma expressão e um exercício da fé? Mormente, se é vista na pluralidade e totalidade das suas formas, tais quais são apresentadas por Paulo.

Assim, se nas preces e súplicas pensamos primariamente em nós próprios e nos outros, pelas orações e acções de graças, o nosso coração está predominantemente voltado para Deus, Na primeira perspectiva, a horizontal, somos movidos pela consciência das necessidades e fragilidades humanas, o ponto de partida humano para entrega de fé ao Deus que tudo pode. É em situações de perdição que mais facilmente nos abrimos à oferta salvação. Mas só isso não basta. Senão, caímos facilmente no erro de recorrermos a Deus, somente quando dele precisamos, podendo chegar ao ponto de tentarmos sujeitá-lo aos nossos interesses, tantas vezes egoístas. Para evitar tal perversão da oração, é fundamental abrirmo-nos ao sentido vertical da mesma: em atitude de reconhecimento, dar graças a Deus pelas imensas graças que Ele, independentemente dos nossos méritos e sem acepção de pessoas, a todos concede. Só deste modo a nossa oração participa do seu poder e amor ilimitados.

Daí que rezemos, não somente por nós e pelos que a nós directamente estão ligados, mas por todos os homens, porque Deus, efectivamente, quer que todos os homens sejam salvos (v. 4), e a maior prova disso é que Cristo se entregou mesmo como resgate para todos (v. 6). A referência explícita aos detentores máximos da autoridade e seus colaboradores imediatos (v. 4) deve-se obviamente à sua especial responsabilidade pelos destinos dos povos. Mas, vamos rezar por eles, mesmo sendo incrédulos e até perseguidores dos cristãos, como eram, os de então? Nesse caso, com mais razão. Mas, não. Necessariamente, para que se convertam à fé cristã.

Para já, o importante é que cumpram a sua missão, isto é, façam tudo para que levemos uma vida serena e tranquila, com toda a piedade e dignidade (v. 2), uma vida em que sejam respeitados os direitos de cada um na sua dupla relação com Deus, pela piedade, e com os outros, pela dignidade. Para os cristãos, estava incluída nisso a liberdade religiosa, necessária para a sua actividade missionaria.

Uma liberdade que, porém, deviam conquistar pelo modo mais convincente e eficaz; não se conformando com o mundo, naquilo que nele é contrário ao bem do homem, mas também não se isolando dele. Pelo contrário, na medida em que nele intervém activamente, já estão a anunciar pela prática de vida, a verdade do Evangelho de que vivem: a do extremo e único amor de Deus, expresso pelo único mediador entre Deus e os homens, o homem Cristo Jesus (v. 5). É chamado homem, porque foi na sua encarnação que começou a obra de salvação que culminou na cruz, onde se entregou a[af1] si mesmo como resgate por todos (v. 6). É este o conteúdo do Evangelho de que nós, cristãos, devemos dar testemunho nos tempos devidos, que, depois da ressurreição de Cristo, são também aqueles em que vivemos.

Tudo indica que este conteúdo do Evangelho, de que Paulo foi constituído arauto e apóstolo (v. 7), era uma fórmula de fé, proclamada nas celebrações litúrgicas de então. Hoje, é no centro da maior acção de graças que Cristo nos oferece o seu sangue, dizendo-nos ter sido derramado por vós e por todos, para remissão dos pecados. É este mistério da fé que nos capacita para a mesma caridade por todos. Se a praticarmos, também isto é bom e agradável diante de Deus nosso Salvador (v. 3)... quase como dizemos na introdução do prefácio que antecede a anáfora eucarística.

In: "Um Ano A Caminhar Com S. Paulo"

de: D. Anacleto Oliveira

(Bispo Auxiliar de Lisboa)

24-03-2009


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