In: Telejornal da RTP1 – 19-04-2010
Bento XVI saúda os fieis em Malta, a 18 de Abril. O papa reuniu-se com vítimas de abusos sexuais cometidos por padres. A reunião foi descrita como "intensa e emocional". Maurizio Brambatti,EPA
Bento XVI completa esta segunda-feira cinco anos de pontificado, numa altura em que o Vaticano enfrenta uma das mais graves crises de sempre, relacionada com as acusações de pedofilia que envolvem dezenas de sacerdotes da igreja católica. Na história da igreja de Roma nada se compara aos escândalos de abusos sexuais com que se debatem actualmente as autoridades do Vaticano.
Bento XVI cumpre cinco anos de pontificado
O quinto aniversário do pontificado de Bento XVI não corre o risco de passar despercebido fora do mundo católico. As alegações de que, no passado, o então cardeal Ratzinger não respondeu de forma adequada aos casos de pedofilia arriscam-se a deixar para segundo plano o resto das acções que Bento XVI levou a cabo desde que é Papa. Tanto basta para que muitos observadores aproveitem a data de hoje para fazer um balanço a todo o pontificado.
Eleito para o papado a 19 de Abril de 2005, num dos mais rápidos conclaves de sempre, o cardeal Joseph Ratzinger suscitou na altura muitas reservas, por causa dos 24 anos que passou à frente da Congregação para a Doutrina da Fé, sucessora da Inquisição.
Rotweiller de Deus
Para a história tinha ficado a campanha de Ratzinger contra a Teologia da Libertação, o movimento que pretendia envolver a Igreja no activismo social e que para o futuro Papa se aproximava demasiado do Marxismo.
A fama de rigor na defesa da ortodoxia tinha valido a Ratzinger a alcunha de "o Rotweiller de Deus" e muitos previram que seria um Papa ultra-conservador. Apesar disso a prática dos anos seguintes não viria a confirmar essas previsões, nem as de que o novo pontífice iria ordenar uma "limpeza geral" no interior da igreja.
Ao longo dos últimos cinco anos, Bento XVI, que completou 83 anos na passada sexta-feira, tem conduzido a igreja numa direcção mais conservadora, nomeadamente ao trazer de volta as formas mais tradicionais de oração, como a missa em Latim e a prece de Sexta-Feira Santa pela conversão dos judeus. Não obstante, o novo papa tomou uma via mais pragmática do que ideológica, recusando-se a silenciar qualquer teólogo católico ou a ordenar uma vaga de excomunhões.
O "tímido" professor de teologia nasceu a 16 de Abril de 1927 no seio de uma típica família da Baviera. O oitavo alemão a tornar-se papa é conhecido pela sua erudição e por falar muitas línguas, além de, ao que se diz, ser um talentoso pianista, com uma especial predilecção por Beethoven.
O seu estilo é mais discreto do que o do seu antecessor. Um americano perito em assuntos do Vaticano, John L. Allen disse certa vez que "se João Paulo II não tivesse sido Papa teria sido uma estrela de cinema, e se Bento XVI não tivesse sido Papa teria sido professor universitário".
Apesar disso as visitas e peregrinações de Bento XVI têm vindo a arrastar multidões de fiéis idênticas às do falecido João Paulo II .
Polémicas e incompreensões
Um tema central para este Papa tem sido a defesa dos valores centrais do cristianismo, face ao que considera o declínio dos valores morais em grande parte do continente europeu.
Ao longo de cinco anos Bento XVI teve alguns êxitos, mas o seu pontificado tem sido marcado por algumas polémicas e incompreensões por parte da opinião pública.
Numa visita à África em Março de 2009 provocou críticas no mundo ocidental ao condenar a distribuição de preservativos para combater o contágio por HIV. Na altura o Papa descreveu o HIV/SIDA como "uma tragédia que não pode ser ultrapassada só com dinheiro, nem pela distribuição de preservativos que até podem agravar o problema".
Pouco antes da viagem africana o pontífice tinha-se visto envolvido noutra polémica, ao levantar a excomunhão que pendia sobre o bispo Richard Williamson por causa das suas opiniões ultra-ortodoxas. Williamson era também um negacionista do Holocausto e o perdão do Papa tornou-se num desastre de relações públicas que se reflectiu negativamente no Vaticano, a poucos meses de uma visita papal ao Médio Oriente. Após o episódio o Papa alemão enviou uma forte mensagem de solidariedade aos judeus, tendo admitido a outros membros da cúpula da igreja, que o Vaticano não tinha verificado adequadamente os antecedentes do Bispo Williamson.
Diálogo com o Islão
Outro dos objectivos de Bento XVI tem sido o de melhorar as relações entre a Igreja Católica e outras religiões, e também aqui a sua acção tem sido marcada êxitos e contratempos.
Em relação aos muçulmanos, ficou célebre o discurso que Bento XVI proferiu na Universidade de Ratisbona, a 12 de Setembro de 2006. Perante 1500 representantes do meio científico e cultural, o Papa rejeitou o uso do nome de Deus, como justificação para o ódio e fanatismo. O Papa citou então um diálogo sobre a relação entre a religião e violência, que um imperador bizantino manteve com um estudioso persa em 1391. "Mostrai-me o que Maomé trouxe de novo e aí só encontrarás coisas más e desumanas, como esta, de que ele determinou que se propague através da espada a fé que ele prega".
As palavras provocaram uma tempestade de indignação no mundo islâmico, obrigando o Vaticano a esclarecer que Bento XVI nunca tivera a intenção de ofender os muçulmanos. Apesar disso, o arcebispo português, Manuel Monteiro de Castro considera que o incidente acabou por abrir o diálogo com o Islão.
Em declarações à agência Lusa, o secretário da congregação dos Bispos e do Colégio Cardinalício disse que Bento XVI "falou de tal modo que criou uma problemática muito profunda sobre o Islão, dizendo que não se pode matar em nome de Deus. Causou o fim do mundo (...). Mas o que é certo é que, desse momento e até agora, fez-se um caminho muito positivo no diálogo com o Islão" considerou o arcebispo.
Manuel Monteiro de Castro cita como exemplo desse caminho de aproximação a visita que o rei da Arábia Saudita veio a fazer ao Vaticano, e sublinhou que "isso seria simplesmente impossível de conseguir" antes do discurso de Ratisbona.
Um problema de imagem
O intelectual que em tempos descreveu os livros como "os seus melhores amigos" tem trabalhado mais em prol do ensino e da pedagogia do que na imagem pública da igreja. Alguns comentadores explicam assim a aparente falta de coordenação na resposta que o Vaticano tem tentado dar à maré de alegações de escândalos sexuais por parte do clero em vários países da Europa.
Na semana passada o número dois do Vaticano relacionou a pedofilia com a homossexualidade, provocando protestos de políticos e organizações de defesa dos homossexuais. No início de Abril o pregador pessoal do pontífice tinha comparado os ataques à igreja ao anti-semitismo, embora tenha depois pedido desculpas públicas.
Por este motivo um inquérito conduzido nos Estados Unidos pela cadeia de televisão a CNN, indica que 56 por cento dos católicos norte-americanos não estão de acordo com a maneira como o Papa tem vindo a gerir o problema dos abusos sexuais cometidos por padres. O mesmo inquérito mostra que apenas um em cada três católicos tem uma visão positiva dos esforços de Bento XVI para lidar com o problema.
Recolha e transcrição de texto do Telejornal da RTP1 – 19-04-2010 por António Fonseca
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