quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

LEITURA Nº 40 - UM ANO A CAMINHAR COM SÃO PAULO

40 “FOI PARA A LIBERDADE QUE VÓS, IRMÃOS, FOSTES CHAMADOS”
Da liberdade em decidir sobre os meus actos depende, além da sua realização, o juízo moral sobre a minha responsabilidade.
Mas não basta ser livre. Há que saber sê-lo. Não é, tantas vezes, o mau uso da liberdade que leva à sua perda? E não estará na origem disso uma concepção errada ou incompleta da liberdade? Que nos diz Paulo?
Foi para a liberdade que Cristo nos libertou (Gl 5, 1). Assim sintetiza ele tanto a salvação obtida pela fé em Cristo como o procedimento moral que dela deriva. Sendo livre, o cristão tem de viver como tal, para não deixar de o ser. Mas livre de quê?

Foi para travar a tentação de adoptar a circuncisão como condição para ser cristão, que Paulo escreveu às comunidades da Galácia. Com esse rito e a Lei a ele adjacente, negariam a verdade do Evangelho (2,5), segundo a qual o homem não é justificado pelas obras da Lei, mas unicamente pela fé em Jesus Cristo (2,16). E quem acredita em Cristo, é libertado, além do pecado e da morte, também da Lei: em Cristo, crucificado por causa da Lei (3, 13), morri para a Lei, a fim de viver para Deus (2, 19).
A liberdade do cristão tem, pois, origem na sua comunhão com Deus, impossível de alcançar pela Lei. Esta obriga-me, mas não me capacita para fazer aquilo a que me obriga. Só em Cristo, que me amou e a si mesmo se entregou por mim (2, 20), encontro essa capacidade. É, portanto, na sua caridade que assenta a minha liberdade.

E então que é feito da Lei? Vou viver sem ela? Vejamos o que Paulo nos diz em:
GL 5, 13-24
De facto, foi para a liberdade que vós, irmãos, fostes chamados. Só que não deveis deixar que essa liberdade se torne uma ocasião para os vossos apetites carnais. Ao contrário: pela caridade, fazei-vos escravos uns dos outros. É que toda a Lei está plenamente cumprida nesta única palavra: “Ama o teu próximo como a ti mesmo”. Mas, se vos mordeis e devorais uns aos outros, cuidado, não sejais engolidos uns pelos outros.
Mas eu digo-vos: caminhai no Espírito, e não realizareis os apetites carnais. Porque a carne deseja o que é contrário ao Espírito, e o Espírito, o que é contrário à carne; são, de facto, realidades que estão em conflito uma com a outra, de tal modo que aquilo que quereis, não o fazeis. Ora, se sois conduzidos pelo Espírito, não estais sob o domínio da Lei.
Mas as obras da carne estão à vista. São estas: fornicação, impureza, devassidão, idolatria, feitiçaria, inimizades, contenda, ciúme, fúrias, ambições, discórdias, partidarismos, invejas, bebedeiras, orgias, e coisas semelhantes a estas. Sobre elas vos previno, como já preveni: os que praticarem tais coisas não herdarão o Reino de Deus.
Por seu lado, é este o fruto do Espírito: caridade, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, autodomínio. Contra tais coisas não há Lei. Mas os que são de Cristo Jesus crucificaram a carne com as suas paixões e desejos. Que terá levado Paulo a avisar para o perigo de a liberdade cristã se tornar uma ocasião para os apetites carnais? Provavelmente porque isso estava a acontecer entre os cristãos da Galácia. E é possível que tenha sido por causa de falhas na sua conduta moral que eles acolheram os defensores da circuncisão e da observância de outras normas da Lei. É que, mesmo convertidos a Cristo, continuavam a viver na carne, isto é, sujeitos à debilidade e fraqueza humana. Ora, que melhor meio poderiam eles ter para não ceder às tentações da carne, senão um código de regras claras e exigentes, pelas quais se orientassem? A reacção é compreensível. Ainda hoje é uma das soluções propostas para situações semelhantes. Só que, para não serem escravos da carne, tornavam-se escravos da Lei, ou melhor do legalismo. E até a experiência nos diz quer a observância da lei pela lei, pode tornar-se tão desumana como o desrespeito por ela. Sobretudo se daí resulta o desprezo para com os prevaricadores. Quem assim reage, continua, pelo menos na prática, a ser escravo da carne, até no sentido literal do termo: Se vos mordeis e devorais uns aos outros, cuidado, não sejais engolidos pelos outros (v. 15). Não é certo que já fosse esse o caso entre os Gálatas. De qualquer modo, o que nunca se deve perder de vista é o princípio unificador de todas as normas da Lei: que toda a Lei está plenamente cumprida nesta única palavra: “Ama o teu próximo como a ti mesmo”. (v. 14). O princípio já era definido por notáveis rabinos. E Jesus não apenas o aprovou (Mt 19, 19; Lc 10, 27), mas realizou-o na sua própria vida: desde a encarnação, em que tomou a condição de escravo (Fl 2, 7), até à morte, em que mostrou ter vindo não para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por todos (Mc 10, 45). E aos que usufruem deste resgate bem se pode pedir: Pela caridade, fazei-vos escravos uns dos outros (v. 13). É que a caridade tudo suporta, tudo crê, tudo espera, tudo aguenta (1 Cor 13, 7). Tal é a energia do Espírito que a anima. Tem, por isso, toda a razão de ser, a exortação: Caminhai no Espírito, e não realizareis os apetites carnais (v. 16). A nossa vida é, de facto, um caminho que nos pode levar ao gozo de uma definitiva e ilimitada liberdade, se, em vez de cedermos às arruinantes seduções da carne, nos deixarmos conduzir por Deus. Foi para isso que Ele, ao adoptar-nos como Filhos, enviou aos nossos corações o Espírito do seu Filho, que clama: “Abbá! – Pai” (4, 6). E se enviou o seu Filho (...) para resgatar os que se encontravam sob o domínio da Lei (4, 4), então, conduzidos pelo Espírito, não estamos sob o domínio da Lei (v. 18). Para isso, para nos mantermos na caridade que garante uma conduta moral livre de toda a opressão, há que tomar consciência do género de obras que pode realizar quem vive sob o domínio da carne (vv. 19-21). Quer pelo seu número, que não é exaustivo, quer pelo modo caótico como Paulo, literariamente, as dispõe, já se pode ver a desgraça a que elas conduzem. No presente e no futuro. Só herdaremos o Reino de Deus, se, nesta vida, deixarmos que Ele reine em nós. Agora repare-se como Paulo apresenta as acções pelo Espírito (vv. 22s): em vez de obras, no plural, classifica-as como um só fruto, para indicar a sua unidade perfeita (9 = 3 x 3), ou melhor, a unidade que elas produzem naqueles que as praticam. Entre eles e deles com Deus. A caridade, a entre eles e deles com Deus. A caridade, a alegria e a paz são virtudes também atribuídas a Deus. E a Ele devemos ainda a paciência, benignidade e bondade, determinantes para as nossas relações mútuas, cuja persistência, por sua vez, depende da nossa fidelidade, mansidão, autodomínio. Se é verdade que a Lei não proíbe tais coisas, não é graças a ela que as praticamos, mas a Cristo Jesus, no qual crucificámos a carne com as suas paixões e desejos (v. 24). Para sempre? ´
(D. Anacleto de Oliveira - Bispo Auxiliar de Lisboa)
Livro "Um ano a caminhar com S. Paulo"
(18-02-2009)
António Fonseca

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