Caros Amigos, depois de um breve intervalo em que tive necessidade de interromper a minha escrita nesta página, por motivo de trabalhos urgentes que estava a efectuar no computador, volto a descrever alguns Modelos Vicentinos, cabendo hoje a vez ao Conde Alberto de Mun. Mais uma vida direita como uma espada, a vida dum militar; modelo para vicentinos, pela inteira submissão à Igreja à qual, dentro das directrizes que Roma lhe apontava no campo social, sacrificou a sua brilhantíssima carreira, assim como a defesa de arreigadas convicções políticas.
Dele se pôde dizer que era um cruzado. Foi-o de facto pela fé religiosa e patriótica e até mesmo pela ascendência, que seguida até ao século XII, nos apresenta um Austor de Mun que tomou parte na Sétima Cruzada e acompanhou S. Luís, a Damieta, mas a que não faltou também um Conde de Mun, bisavô do nosso biografado, filósofo materialista do século XVIII, um dos precursores da revolução, que serviu no Regimento dos Cadets de Gascogne e veio a ser marechal de campo e tenente-general do Exército Real.
Nascido em 1841 num velho castelo de Lumigny, frequentou a Escola de Saint-Cyr e serviu no 3º Regimento de Caçadores de África, na Argélia onde, com seu irmão e o seu amigo La Tour du Pin, tomou parte em cinco campanhas nas quais expôs a vida vezes sem conta.
Regressado a França em 1867, casa com sua prima, M.lle d'Andlau e entra na sua nova guarnição de Clermond-Ferrand. É aí que, inscrito na Conferência de S. Vicente de Paulo, faz o tirocínio da sua futura e intensissima acção social, pelo contacto que toma com as famílias pobres e com os patronatos. Pratica a caridade heroicamente em plena epidemia de varíola, durante a qual prossegue as suas visitas.
Promovido a tenente, declara-se a guerra de 70. É inscrito no exército de Metz e entra nas batalhas de Borny e Gravelotte, onde recebe a Legião de Honra. Na carga de Rezonville, encontra o seu amigo La Tour du Pin. "Ainda veremos belos dias para a França", lhe diz este.
Mas vem a inexplicável ordem de retirada para Metz e a notícia da vergonhosa capitulação chega até eles. De Mun chora lágrimas amargas e confessa nunca ter sentido tamanha tristeza.
Conduzido para Aix-la-Chapelle, é aí, no exílio, que toma contacto com o movimento popular católico, do qual Monsenhor Ketteler era o grande animador. De novo em França encontra aí a Comuna; à sua cólera indignada junta-se também a compaixão que o leva a reprovar os excessos na repressão, sem apuramento de responsabilidades. Foi a indiferença religiosa e moral que deu lugar à revolução, donde conclui ser preciso fazer a educação do povo, tarefa a que promete dedicar-se.
Convidado a visitar o Círculo Operário de Montparnasse, ali se apresenta e tem ocasião de admirar a Conferência de S. Vicente de Paulo, onde pobres operários fazem a caridade a outros ainda mais pobres do que eles; preside a uma sessão em que discursa e só então toma consciência de que é orador.
Depois, ajudado por seu irmão e por La Tour du Pin, pretende fundar círculos semelhantes em todos os bairros de Paris, em toda a França. É preciso opor às doutrinas subversivas da revolução as santas lições do Evangelho; ao materialismo, as noções do sacrifício; ao espírito cosmopolita, a ideia da pátria; à negação, a afirmação católica. Pretende, com os círculos, montar o instrumento da contra-revolução, em nome do "Syllabus".
Inaugura-se o primeiro círculo em Belleville, com a indispensável Conferência de S. Vicente de Paulo; logo a seguir vem o de Montmartre, dentro dos vinte projectados em Paris. Fundam-se logo também dois em Lyon e de tal maneira crescem em número, que em 1875 se contam em França, 150, com 18 000 membros.
Tornam-se porém suspeitos às esquerdas que os tomam como Confrarias Religiosas e também às direitas, como focos de utopias revolucionárias. Mas a juventude militar está com ele; dum cadete de Saint- Cyr recebe uma carta, em que se lêem estas passagens:
"Deste-nos a todos a ambição de servir a nação pela palavra e com a espada ... o nosso voto mais querido é ver-vos um dia à nossa frente no campo de batalha, como igualmente estareis nas lutas pacíficas da regeneração nacional".
Assina esta carta:"Hubert Liautey".
Mas na Assembleia Nacional é acusado de provocar a guerra civil e os seus superiores acham escandaloso que um oficial pregue a fraternidade cristã. Apertado nesta luta de consciência, entre o seu dever de cristão e o amor à farda, não hesita; quebra a espada aos trinta e quatro anos. A vitória é de Deus, mas nela deixou boa parte do coração!
Aprovada entretanto, por um voto de maioria, a constituição da República, no ano de 1875, fazem-se eleições e De Mun, certo de que na tribuna da Câmara melhor servirá as ideias católicas e sociais, apresenta-se como candidato católico, acima de tudo, mas também da extrema-direita. Eleito deputado em 1876, continuará a sê-lo por trinta e oito anos, até à morte. E que soma de serviços prestou ele à França e à Igreja, a cuja disposição pôs todo o seu formidável talento de orador, que não conheceu um desaire!
A sua presença, de elevada estatura, porte cheio de dignidade, olhar nobre, logo o impõe, antes mesmo de abrir a boca, Fala e a voz segue o pensamento; este vai tomando força, desenvolve tal actividade, que levanta aplausos e triunfa do silêncio.
Em 1898 todos os partidos lhe prestam homenagem quando é recebido na Academia Francesa.
Sempre na oposição, De Mun experimenta dificuldade em tomar partido entre metade da alma ligada ao passado e a outra metade arrastada para a frente.
Compreende que o mais importante é defender a sua fé, que sente ameaçada, e sonha então realizar o agrupamento de todas as forças católicas num grande partido, sem distinção de afinidades políticas, para o que - sempre o mesmo cruzado - quer levantar o estandarte da cruz sob as directrizes de Roma.
Erguem-se então também contra ele os antigos amigos da extrema direita, receosos da desunião; ele porém só ouve a voz do Papa. Quem poderia calá-lo? Mas Leâo XIII fala e, aprovando, em princípio, a ideia, julga inoportuna a ligação com um partido político; De Mun sujeita-se, mas a renúncia a tão querida ideia constitui mais um sacrifício bem duro!
Resta-lhe a glória de ser o maior orador parlamentar de França, mas, por brilhantes que sejam, as suas intervenções não conseguem deslocar as votações das maiorias. Ingrato papel o seu!
No campo social, porém, é notável e fecunda a sua acção à qual. juntamente com o objectivo religioso, tende a fundação dos círculos, "o seu grande negócio", como ele lhe chamava . É bem o precursor que compreende a gravidade e a urgência da situação. O insuspeito ministro Barthou conveio em que não havia, se pode dizer, uma lei de carácter social da 3ª República, na qual De Mun não tivesse colaborado.
Incompreendido muitas vezes pelos seus, tem ao menos a consolação de receber a melhor das consagrações com a publicação da Encíclica "Rerum Novarum". Em Setembro de 1891 preside a uma peregrinação de 15 000 operários a Roma, onde é carinhosamente recebido por Leão XIII, que á da mesma maneira o acolhera e estimulara em 1878.
Vêmo-lo depois nas lutas religiosas, que atormentavam a França no começo do século XIX, tomar a nobre posição de combate que dele seria de esperar. À reflexão de Barthou, de que "os religiosos não são homens livres", opõe esta admirável resposta: ...
"estes homens e estas mulheres que renunciaram a pedir ao mundo as suas alegrias, para lhe darem exemplos de pobreza voluntária, de castidade heróica, de obediência reflectida, de dedicação sem recompensa humana, por vezes pagos com ultrajes e com o desprezo, fazem assim, no sacrifício da sua liberdade, o último, o mais magnifico, o mais decisivo uso da mesma liberdade".
Com que firmeza soube combater as iníquas leis que expulsaram Congregações e fecharam escolas! Na imprensa, aconselha uma resistência digna da qual ele próprio dá exemplo na sua querida Bretanha. E na Câmara acusa violentamente o Governo da violação da lei e do encerramento de 2 800 escolas. - "Ainda não é o bastante", interrompe cinicamente um membro da maioria, interrupção que De Mun magistralmente aproveita para exclamar:
"Meus senhores, como vos agradeço as vossas interrupções. Só lamento que as não façais em tom mais elevado ainda, pois é preciso que toda a Nação vos oiça; é preciso que nesta terra, onde há tantos surdos e tantos cegos, toda a gente saiba e veja claramente, duma vez para sempre, que quereis a destruição total e completa do ensino cristão". E voltando-se para o Presidente do Conselho, em indignado brado: "Com que direito pusestes a mão sobre a liberdade?"
E ao ser votada a lei da separação, exclama: "Desde Metz para cá, nunca experimentei tão amargamente a vergonha duma derrota sem glória!"
Afastado, por doença, da tribuna, escreve, sempre com igual energia, e chegamos assim ao ano de 1914: doente e cansado - tem já setenta e três anos - assiste à declaração de guerra; não pode combater, mas tem três filhos nas fileiras e, pela sua parte, durante dois meses, os seus artigos quotidianos são, no dizer de Paulo Bourget, a pulsação do coração da própria França, e outorgando-lhe o título de "ministro da confiança nacional". E é quase moribundo que ajuda a levantar o moral dum povo inteiro. Reclama a criação dum corpo de capelães, que é encarregado de organizar.
Já próximo do fim, acompanha com o maior sacrifício o Governo na sua retirada para Bordéus, até que, num belo dia de Outubro, ao acabar de escrever o seu artigo, sente uma sufocação, prenúncio da crise fatal. Recebe os Sacramentos e entra na agonia.
A morte deste herói, que teve por lema "servir a Igreja e a Pátria", foi um luto nacional a que se associou todo o Governo, o Presidente da República, amigos e adversários políticos, em verdadeira e apoteótica manifestação da União Sagrada.
Ver www.ssvp-portugal.org
texto de Gilberto Custódio
António Fonseca
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