Como podem verificar, efectuei algumas alterações ao meu blogue relativamente à apresentação que tinha feito inicialmente. Não está ainda como pretendo, mas espero caminhar para lá; vamos ver se consigo alcançar essa meta.
Relativamente aos Modelos Vicentinos, debruço-me hoje na figura carismática de Frederico Ozanam, fundador das actuais Conferências Vicentinas. Não sendo lícito que um vicentino desconheça a grande figura do nosso fundador, vamos tentar recordar muito resumidamente a sua vida, assim como o papel predominante desempenhado na fundação da Sociedade.
Nascido em 1813 de pais cristianíssimos, que souberam comunicar-lhe o amor de Deus e lhe ensinaram a ver Jesus Cristo na pessoa do pobre, Frederico Ozanam soube conservar, mesmo na idade das fortes paixões, um coração puro e a sua fé, mal foi afectada ao primeiro contacto com os sistemas filosóficos, por uma ligeira incerteza, imediatamente dissipada, da qual resultou para a vida inteira uma forte compaixão pelos transviados e a vontade de demonstrar que só o ensino caído dos lábios de Cristo e perpetuado pela Igreja possui os sinais infalíveis da verdade eterna e divina.
Terminado em Lyon o curso secundário, vai seguir Direito em Paris, onde encontra aquele meio agitado que se seguiu à queda dos Bourbons; sente-se triste e isolado ao ouvir as diatribes anti-religiosas lançadas por Jouffroy do alto da cátedra da Sorbonne.
"Paris desagrada-me", escreve ele, "porque não tem vida, nem fé, nem amor". Mas ganha forças e reage ao agasalhar-se em casa do sábio Ampere, que remata assim as conversas íntimas que com ele tem sobre as maravilhas da natureza: "Ozanam, como Deus é grande, como Deus é grande!"
Refeito então, traça o programa que dominará a actividade de toda a sua vida: residindo no catolicismo o melhor remédio para os males da sociedade contemporânea, há que demonstrar a sua verdade científica e histórica.
Para se armar convenientemente, lança-se ao trabalho; estuda 15 horas por dia e aprende línguas estrangeiras, ao mesmo tempo que recruta entre os estudantes da Sorbonne colaboradores, com os quais prepara a resistência à ofensiva anti-religiosa que naquela Universidade se desenvolvia: respeitosamente mas com firmeza sustenta a sua opinião com uma lógica que desarma o adversário e obriga Jouffroy a dizer que a oposição, de materialista, se transformou em católica.
Vêm então as Conferências da História, como meios de formação intelectual e de adestramento para o combate; delas nasce a Conferência da Caridade, precursora da grande obra que é a Sociedade de S. Vicente de Paulo, graças à qual tantas misérias materiais e morais têm sido confortadas, por cujo intermédio tantos homens aprenderam que de nada valem os dons da inteligência se não forem acompanhados dos de coração e que o melhor preservativo contra as tentações do espírito ou da carne é ainda a comunhão com o sofrimento dos nossos irmãos desgraçados!
É também nessa época que Ozanam, apenas com 21 anos, consegue vencer prevenções existentes contra Lacordaire que, apesar da sua inteira submissão a Roma e rompimento com a doutrina extremista de Lamennais continua a ser tido como suspeito; impõe o seu nome para primeiro pregador das conferências de Notre-Dame; a primeira das quais se realiza com a assistência de 6 000 pessoas, e constitui um verdadeiro triunfo. Esta é, sem dúvida, outra das grandes obras de Ozanam, o qual tem levado ao púlpito de Notre-Dame, com a sua mundial projecção, grandes pensadores, que mais vão confirmando a vitalidade da Igreja.
Diplomado em Direito, defende também com o maior brilho, a tese de Letras, sobre Dante e a filosofia do século XIII; a sua viva argumentação e a convicção profunda com que defende os seus pontos de vista, valem-lhe no final esta exclamação do professor e ministro Victor Cousin: "Senhor Ozanam, a sua eloquência nunca foi excedida nesta faculdade!"
É então nomeado professor de Direito Comercial em Lyon e pretende ser promovido na cadeira, para ele bem mais interessante, de Literatura estrangeira, ao que se levantam dificuldades originadas pelas suas crenças. Procura o Ministro, que lhe promete a cátedra com a condição de tomar parte no concurso aberto para a cadeira de Literatura na Sorbonne, concurso que se realizará dentro de seis meses, e ao qual o Ministro quer dar o maior brilho.
As probabilidades para Ozanam são nulas, dado que há sete concorrentes que se preparam há um ano. No entanto, sem prejuízo da carreira que rege, nem tão pouco os seus trabalhos vicentinos em Lyon, lança-se na preparação para o concurso, que abrange três literaturas clássicas e quatro estrangeiras; estuda dezoito horas por dia e chega ao exame, extenuado e febril.
Presta provas escritas, que começam por um trabalho em latim sobre as causas que impediram a expansão da tragédia em Roma e continuam com outro trabalho em francês sobre o valor histórico das orações fúnebres de Bossuet.
Seguem-se argumentações orais, de três horas cada, sobre autores gregos. latinos, franceses, nas quais afirma desassombradamente a sua fé; exposições sobre literatura alemã, inglesa e espanhola, nos respectivos idiomas; depois, lições sobre temas tirados à sorte, um com vinte e quatro horas e outro com uma hora de antecedência.
O resultado é a sua classificação em primeiro lugar, o que o decide a optar pela cátedra da Sorbonne, onde sente que o seu combate pela causa da Igreja terá bem maior projecção, embora com sacrifício de condições de vida e proventos, que seriam bem mais vantajosos em Lyon. A decisão final do caso é entregue à sua noiva, Amélia Soulacroix que, bem digna dele, opta sem hesitação por Paris, se bem que isso implique o seu afastamento da família.
Na Sorbonne ensinou Ozanam, com verdade e com paciência, levada ao heroísmo durante doze anos, não hesitando em imolar-se ao serviço da civilização e da Igreja, como entendia ser dever de homem de ciência cristão, em paridade de sacrifício com o missionário que se deixa matar no Oriente. "Ah, meus senhores - dizia -, não sejamos cobardes a ponto de acreditar numa partilha que seria uma acusação contra Deus, que a teria feito e uma vergonha para nós que a aceitaríamos".
Apaixonadamente interessou-se pelos problemas sociais e, precursor da doutrina da Igreja neste campo, defendeu o salário natural, reivindicou disposições contra o desemprego e os acidentes e reclamou a reforma para os trabalhadores.
Nas Conferências ocupou-se, além da visita domiciliária, de obras anexas, e criou a visita aos menores detidos, a dos aprendizes e a dos militares.
Em 1852, exausto de trabalho, vai procurar no doce clima de Itália algum alívio para o seu mal. Mas as forças continuaram a declinar. Resignado, sente-se atraído para a eternidade e, posto que muito custosa a ideia da separação dos seus queridos, pronuncia o "fiat", abandonando-se inteiramente à vontade de Deus, na formosíssima oração escrita no dia do seu 40º aniversário, da qual extraímos estas passagens:
"... Sei que completo hoje os meus quarenta anos, mais de metade do caminho da vida. Sei que tenho uma mulher jovem e estremecida, uma filha encantadora, excelentes irmãos, uma segunda mãe, numerosos amigos, uma posição honrosa, trabalhos chegados precisamente ao ponto em que iriam servir de base a uma obra há muito sonhada. E entretanto eis que sou tomado por uma doença grave, renitente, e tanto mais perigosa, que esconde provavelmente um esgotamento completo".
... "Será então preciso deixar todos estes bens que Vós mesmo, meu Deus, me tínheis dado? Não Vos contentareis, Senhor, com uma parte do sacrifício? Qual das minhas afeições desordenadas deverei imolar-Vos? Não aceitareis o holocausto do meu amor-próprio literário, das minhas ambições académicas, ou até mesmo dos projectos de estudo, onde talvez houvesse mais orgulho do que zelo pela verdade? Se vendesse metade dos meus livros para dar o seu valor aos pobres e cingindo-me ao cumprimento dos deveres do meu cargo, consagrando o resto da vida à visita dos indigentes e à instrução dos aprendizes e soldados, Senhor, ficaríeis satisfeito e conceder-me-íeis a doçura de envelhecer junto de minha mulher e de completar a educação de minha filha? Talvez não o queirais! Não aceitais estas ofertas interesseiras; rejeitais os meus holocaustos e os meus sacrifícios. É a mim que Vós quereis. está escrito no começo do livro que devo fazer a Vossa vontade. E eu disse: "Eis-me aqui, Senhor".
..."Dar-me-eis a coragem, a resignação, a paz de alma, e aquelas consolações inexprimiveis que acompanham a Vossa presença real. Fár-me-eis encontrar na doença uma fonte de merecimentos e de bênçãos, bênçãos que fareis recair sobre minha Mulher, sobre minha filha e todos os meus, aos quais as minhas obras aproveitariam menos do que os meus sofrimentos".
Regressado a França, agrava-se a doença e, ao passar em Marselha, o fim parece iminente. Ozanam encara-o com a maior serenidade e responde com simplicidade ao sacerdote que o acompanhava, recomendando-lhe que tivesse confiança em Deus: "Como poderia temê-Lo, se O amo tanto?" E murmurando: "Meu Deus, meu Deus tende compaixão de mim", expirou. Era o dia 8 de Setembro, da Natividade de Nossa Senhora, no ano de 1853.
Paris reclamou o seu corpo, que jaz sepultado na cripta da Igreja dês Carmes.
Não é para admirar que a consideração de alta espiritualidade da sua vida, toda ela dominada pelo pensamento da defesa da religião, com inteira submissão ao Pontífice, a sua extrema caridade, assim como a evidente benção de Deus sobre as suas obras, tenham feito nascer a ideia da beatificação de Ozanam. Com o apoio do Cardeal-Arcebispo de Paris e do Cardeal-Protector da Sociedade, foi proposta a causa a 15 de Março de 1925 e feito já o exame aos seus numerosos escritos, nos quais nada se encontrou que obstasse ao prosseguimento do processo. Assim, Sua Santidade João Paulo II assinou o Decreto de beatificação em 25 de Junho de 1996 e foi solenemente beatificado, em Paris, no dia 22 de Agosto de 1997, durante o Encontro Mundial de Jovens, a pedido do Santo Padre, como exemplo para a juventude.
No mesmo dia foi declarada Doutora da Igreja, Santa Teresa de Lisieux.
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Lembro em seguida o texto da Homilia de Beatificação de Frederico Ozanam.
HOMILIA DE BEATIFICAÇÃO
1. "O Amor vem de Deus" (1 Jo. 4, 7). O Evangelho deste dia apresenta-nos a figura do bom Samaritano. Mediante esta parábola, Cristo quer mostrar aos Seus ouvintes quem é o próximo citado no maior mandamento da Lei divina: "Amarás ao Senhor teu Deus, com todo o coração, com toda a tua alma, com todas as tuas forças e com todo o teu entendimento, e ao próximo como a ti mesmo" (Lc 10, 27). Um doutor da Lei perguntava o que devia fazer para ter parte na vida eterna; encontrava nestas palavras a resposta decisiva. Sabia que o Amor de Deus e do próximo é o primeiro e o maior dos mandamentos. Apesar disso, pergunta. "Quem é o meu próximo?" (Lc 10, 29).
O facto de Jesus propor um Samaritano, como exemplo para responder a esta pergunta, é significativo. Com efeito, os Samaritanos não eram particularmente estimados pelos Hebreus. Além disso, Cristo compara a conduta deste homem àquela de um sacerdote e de um levita, que viram o homem ferido pelos salteadores e deixado meio morto na estrada, e continuaram a sua caminhada sem lhe prestar socorro. Ao contrário o Samaritano, que ao ver o homem sofredor, "encheu-se de piedade" (Lc. 10, 33); a sua compaixão levou-o a uma série de acções. Em primeiro a fim de que cuidassem dele; e, antes de partir, deu ao estalajadeiro o dinheiro necessário para se ocupar do ferido (cf. Lc. 10, 34-35). O exemplo é eloquente. O doutor da Lei recebe uma resposta clara à sua pergunta: Quem é o meu próximo? O próximo, é todo o ser humano, sem excepção. É inútil perguntar pela sua nacionalidade, a sua pertença social ou religiosa. Se está em necessidade é preciso ir ajudá-lo. É isto que pede a primeira Lei divina, a lei do Amor de Deus e do próximo.
Fiel a este mandamento do Senhor, Frederico Ozanam acreditou no amor, no amor que Deus tem por todos os homens. Ele mesmo se sentiu chamado a amar, dando o exemplo de um grande amor de Deus e dos outros. Ia ao encontro de todos os que tinham mais necessidade de ser amados, daqueles a quem Deus-Amor não podia ser efectivamente revelado senão pelo amor duma outra pessoa. Ozanam descobriu nisto a sua vocação, viu o caminho para o qual Cristo o chamava. Encontrou nisto o seu caminho rumo à santidade. E percorreu-o com determinação.
2. "O Amor vem de Deus". O amor do homem tem a sua fonte na Lei de Deus; a primeira leitura do Antigo testamento demonstra-o. Nela encontramos uma descrição pormenorizada dos actos do amor ao próximo. É como que uma preparação bíblica para a parábola do Bom Samaritano.
A segunda leitura, tirada da primeira Carta de S. João, desenvolve o que significa a palavra "o amor vem de Deus". O Apóstolo escreve aos seus discípulos: "Caríssimos, amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus e todo aquele que ama, nasce de Deus e conhece-O. Aquele que não ama, não conhece a Deus, porque Deus é amor" (1 Jo. 4, 7-8). Esta palavra do Apóstolo constitui verdadeiramente o centro da revelação, o ápice para o qual nos conduz tudo o que foi escrito nos Evangelhos e nas Cartas Apostólicas. S. João prossegue: "Nisto consiste o Seu amor: não fomos nós que amámos a Deus, mas foi Ele que nos amou e enviou o Seu Filho como propiciação para os nossos pecados" (1 Jo. 4-10). A remissão dos pecados manifesta o amor que por nós tem o Filho de Deus feito homem. Então o amor do próximo, o amor do homem, já não é apenas um mandamento. É uma exigência que deriva da experiência vivida do amor de Deus. Eis porque João pode escrever: "Se Deus nos amou assim, também nos devemos amar uns aos outros" (1 Jo. 4, 11).
O ensinamento da Carta de João prolonga-se; o Apóstolo escreve: "Ninguém jamais viu a Deus; se nos amarmos uns aos outros, Deus está em nós e o Seu Amor é perfeito em nós". Nisto conhecemos que estamos n'Ele e Ele em nós, porquanto nos deu o Seu Espírito (1 Jo. 4, 12-13). amor é então a fonte do conhecimento. Se, por um lado, o conhecimento é uma condição do amor, por outro o amor faz aumentar o conhecimento. Se permanecermos no amor, temos a certeza da acção do Espírito Santo que nos faz participar no amor redentor do Filho, que o Pai enviou para a salvação do mundo. Ao reconhecermos Cristo como Filho de Deus, permanecemos n'Ele e, por Ele, permanecemos em Deus. Pelos méritos de Cristo, acreditamos no amor, conhecemos o amor que Deus tem por nós, sabemos que Deus nos ama.
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LOUVADO SEJA NOSSO SENHOR JESUS CRISTO
António Fonseca
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