Nasceu em Prato, na Toscana, em 4 de Setembro de 1822, de família fundamentalmente católica, à qual deveu a sólida educação, que toda a vida o manteve, sem quebra ou desvio, no caminho do bem, por forma a constituir exemplo que bem merece ser apontado aos vicentinos de Portugal; é-nos dado conhecê-lo, graças à extrema gentileza dos vicentinos italianos, os quais nos facultaram as necessárias fontes de informação; óptimo livro "Cesare Guasti e la sua pietá", do Padre Crispolti, três conferências sobre Guasti e ainda o volume das cartas, o qual constitui o 7º volume das suas obras.
Como historiador, crítico, filósofo e escritor, conquistou renome nas letras italianas e pôde ser classificado por Del Lungo, Presidente da Real Academia delia Crusca, como esplêndido artífice da palavra. Como arquivista revelou, aos vinte anos, à Itália os melhores escritos em língua Toscana, nomeadamente os dos tricentistas e quatrocentistas franciscanos. E assim foi que, com apaixonado entusiasmo, católicos e não católicos tomaram contacto com a extraordinária figura de S. Franscisco de Assis.
Nas letras pôde ser tido como o escritor nobre das harmonias e também como homem da sinceridade, em contraposição a tantos que se servem dos melhores dons de Deus para nos transmitirem a dúvida.
Dotado de requintada sensibilidade, vibrava intensamente com qualquer manifestação de arte e foi amoroso e profundo cultor do belo, como caminho para a verdade. Em Florença, onde trabalhou desde os vinte e oito anos, conviveu com críticos e artistas de quem foi o grande animador e que ouviam com respeito a sua opinião. A ele, como secretário da Comissão de reconstrução da fachada de Santa Maria dei Fiore, se deve, em grande parte, a majestade e imponência que dela fizeram a senhora das catedrais italianas.
Espírito florentino e quase medieval, não se impressionou grandemente com o fausto de oiro e mármores de S. Paulo, em Roma, que classificou de "troppo bella" e prejudicada em arte pelo excesso de riqueza.
Mas bem mais valiosa do que todas essas felizes disposições do seu espírito, é a reputação de santidade deixada pelas suas singulares virtudes cristãs e que lhe valeu a introdução do processo de beatificação.
Não se guardou para a idade madura: desde a primeira juventude se distinguiu pela pureza de intenção santificadora de todas as obras, e assim viveu no século como se estivesse no claustro. A vida de Guasti encontrou sempre na Religião a força do seu ser e no convívio dos seus dignos ministros o melhor conforto e a mais pura alegria: mas nem por isso amou menos a pátria. Já avançado em anos, repetia que outros amores não tivera na vida senão os da Religião, da Pátria e da Arte.
Esqueceu-lhe porém falar no quarto amor: o da Família, que ocupou uma parte tão grande do seu nobre e generoso coração! É ver o que foi o seu casamento; a perfeita união com sua mulher nos sete anos de felicidade conjugal que Deus lhe concedeu; e, depois da morte desta, aos trinta e oito anos apenas, a constante recordação da sua memória e a total entrega à educação dos quatro filhos que lhe ficaram.
Dele diz o seu biógrafo que deveu o seu perfeito equilíbrio a ter o corpo sujeito ao espírito, e este sujeito a Deus. Tudo quanto se conhece da sua vida demonstra esse salutar equilíbrio, sempre mantido, desde a idade das fortes paixões, senão, é ver a seriedade das suas disposições quando pensava em casar. Ao tomar a sua decisão, escreve uma carta admirável à mulher do seu grande amigo. Giuseppe Mochi, senhora também da intimidade de Ánnunziatta Becherini, encarregando-a de comunicar a esta os seus sentimentos. Retrata-se todo nesta carta, com inigualável lealdade diz como entende o casamento e pede uma resposta; qual seja a resposta desejada, escusado será dizê-lo; mas aconselha a "Nunziattina" a que considere tudo, reze muito e resolva tranquilamente.
Considera horrorizado nessa carta aqueles lares em que pode ser causa de discórdia aquela mesma Religião que deveria ser o primeiro elo da misteriosa cadeia que prende dois corações; fala na educação dos filhos e afirma que, da Religião, não aceita apenas os mistérios e as crenças, mas também as práticas; que nem devemos envergonhar-nos do bem nem tão pouco ostentá-lo. Considera que os esposos que amam e teme a Deus, não podem deixar de se querer bem e de ter a paz doméstica, mesmo através da dor e da cruz suportada pelos dois.
Pede lealmente à intermediária que não encubra à "Nunziattina" defeito que nele tenha encontrado e pede mais ainda que não faça grande caso de qualidades, que, em quem é dado escrever, podem muito bem figurar nos escritos e não na pessoa.
É notável a sinceridade que se reflecte em todas as cartas escritas nos meses de noivado à criatura a quem escolhera para conselheira e consoladora nas dúvidas e desconfortos da vida. Numa delas descreve a sua vida de trabalho em Florença e também a vida nos dias feriados, desde o levantar às seis até deitar à meia noite, após se ter encomendado ao Senhor - Te lucis ante terminum - e repete a sublime oração da noite anterior, ao considerar o estado que ia abraçar: "Senhor, se não sou capaz de tornar feliz a criatura que me destinastes para companheira; se poderei vir a ser para ela ocasião de dor, fazei que, como indigno de pessoa tão gentil, não chegue nunca a possuí-la, para não ter de Vos dar contas dum afecto profanado e traído; tendes infinitos modos de me poupar esta culpa: tendes pelo menos a morte. Aceito de Vós a morte, Senhor!"
Toda na sua nobre vida se inspira nos princípios cristãos: é o carácter, que vê com horror aqueles que hesitam entre o sim e o não; é a piedade e total entrega nas mãos de Deus, num "Fiat" de aceitação da cruz, segredo da perfeição cristã, que constitui a parte mais bela da santidade. Na juventude, puros e sagrados entusiasmos, aturados estudos; altos sentimentos e obras fecundas em adulto. Austero senhor, que parecerá um monge no meio do século, artífice sublime da língua italiana numa obra literária que tem o sabor duma elegia cristã.
Quer ter sempre diante de si o Crucifixo, modelo de sofrimento, convencido de que, só com o martírio quotidiano se segue o caminho do dever, da fidelidade e da continência. E é o Crucifixo, que tem em lugar de honra no seu quarto de casado, quem o sustenta na difícil e constante luta da vida, sobretudo na dolorosa perda de dois filhos e por fim da sua estremecida mulher, mal decorridos sete anos de perfeita identidade de sentimentos e no mais generoso abandono à vontade de Deus.
Guasti, que desveladamente a acompanhou na doença, recolhe ternamente as últimas palavras desta alma de eleição, que resumem os pensamentos e afectos da sua vida inocente: "Por aquele Jesus que a ti me deu e agora me tolhe, te peço que não chores. Pensa nos filhos que te deixo; sê irmão da minha única irmã. A vida é breve".
Viúvo aos trinta e oito anos, com a vida em pleno vigor, soube compreender o altíssimo significado do matrimónio-sacramento e votou-se livremente, embora com forte sacrifício, ao estado de viuvez.
Entrega-se então totalmente à missão de educar os filhos e simultâneamente à da sua própria santificação, único verdadeiro interesse da vida, sempre no culto das esposa muito querida. Diariamente pratica actos de mortificação; em tudo se sujeita à vontade de Deus; ensina aos filhos a rezar e com eles faz o exame de consciência.
Grande devoto da Virgem Nossa Senhora das Dores que, para fazer a vontade ao Eterno Pai e para que os Apóstolos não ficassem órfãos, permaneceu na terra após a subida ao Céu do seu amado Filho, pede-lhe forças para aceitar voluntariamente o martírio do prolongamento da vida, para que nele se cumpra a vontade do Senhor. À educação dos filhos junta o estudo e o trabalho do Arquivo do Estado e a Academia da Crusca; refugia-se na leitura dos Livros Santos, sobretudo dos Evangelhos e das Epístolas de S. Paulo. Como primeira regra de vida, quer estar continuamente na presença de Deus, e fazer tudo para Sua glória.
O corolário natural desta vida de piedade e de tamanha elevação espiritual é forçosamente - vinculum perfectionis - a Caridade, praticada tal como a anuncia o Apóstolo S. Tiago e que consiste em visitar órfãos e viúvas na sua tribulação. E Guasti fazia-o com coração ternissimo e sensível a todas as misérias e tristezas.
Jovem ainda, ajudou activamente a florir na sua cidade de Prato a obra das Conferências de S. Vicente de Paulo, instituída por aquela alma puríssima e franciscana de Frederico Ozanam, por quem Guasti teve um verdadeiro culto.
Foi depois membro honorário e grande protector da Conferência Florentina, além do muito bem que praticava regularmente e sem que a mão esquerda soubesse o que dava a direita: foi assim que, um ano antes de morrer tomou a seu cargo uma família não pequena a quem morrera o pai.
"César Guasti, nome que não teme o esquecimento! - Que homem! Religioso e integérrimo; viúvo em idade juvenil, observou nobilíssima severidade de costumes! - Que pai! Nas suas qualidades próprias da probidade e de amor à boa operosidade educou os numerosos filhos. Que cidadão! Não nos campos de batalha, nem nos ministérios de Estado; mas serviu a Pátria com amor aceso pela sua glória e pelo seu bem, como funcionário público, como escritor e como Vice-Presidente da Reputação da História Pátria".
Estas palavras, seguidas duma despedida sentidíssima, em que se acentua fortemente a saudade de Prato e Florença, foram proferidas sobre o féretro de Guasti pelo seu colega, admirador e amigo, Augusto Conti, em nome da Academia da Crusca.
Ficam bem aqui, a fechar a breve notícia, que se quis dar aos portugueses de mais um sublime modelo vicentino.
(escrito por Gilberto Custódio)
NOTA:
Por lapso, não tenho efectuado a indicação das fontes onde estão acolher estes textos sobre Modelos Vicentinos. As minhas desculpas a Gilberto Custódio e a www.ssvp-portugal.org.
António Fonseca
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