quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Peregrinação a Fátima – Agosto 2009

 

Homilia proferida por D. Vitalino Dantas, em Fátima

Amados peregrinos, estamos aqui neste lugar sagrado da Cova da Iria, vindos de muitos pontos da terra, formando uma assembleia orante, convocada pela fé e pela devoção a Maria, a Senhora de Fátima, a Mãe de Jesus e nossa Mãe também. Somos um povo em mobilidade, que não resigna perante as dificuldades e a aridez de muitos ambientes, mas procura transformar o deserto de uma sociedade egoísta e injusta em pomar frondoso, onde há frutos suficientes para todos viverem, reinando aí o direito e a justiça, dos quais brotam como frutos apetecíveis a paz, a segurança e a tranquilidade. Que belas promessas feitas a um povo oprimido, a viver no exílio, longe da sua terra natal! Quem não anseia estes dons para a sua vida? Mas também quem não constata à sua volta a falta de tudo isso? Quem não verifica constantemente pessoas, grupos e até povos inteiros a cair nos caminhos da vida, vítimas das injustiças, do egoísmo, da fome e das guerras?

O nosso mundo poderia ser um pomar com frutos suficientes para todos, se nos deixássemos inundar pelo Espírito que Jesus prometeu aos Apóstolos e que enviou sobre eles no Pentecostes e também sobre nós, quando nos convertemos, escutamos e seguimos a Palavra de Jesus, o Evangelho, a Boa nova de salvação para todos os que peregrinam a caminho do Reino de Deus, que é uma semente sempre a ser lançada à terra e uma sementeira sempre em crescimento, mas onde também cresce muito joio, muitas ervas daninhas, que retiram a força às boas plantas e as impede de dar fruto abundante para todos.

2. Viemos aqui a este lugar abençoado fortalecer as nossas mãos débeis, robustecer os nossos joelhos vacilantes, animar o nosso coração pusilânime, para podermos continuar o nosso caminho, o nosso crescimento, e não nos deixarmos abafar pelas forças do mal. Esta peregrinação de Agosto, dedicada aos migrantes e refugiados, é, mais que qualquer outra, um sinal concreto da mensagem do profeta Isaías. Aqui estamos para receber a força de Deus.

Hoje, mais que nunca, vivemos num mundo em constante mobilidade e, mesmo aqueles que aguentam permanecer nas suas aldeias, partilham das alegrias e tristezas, esperanças e desânimos dos seus vizinhos ou familiares que se puseram a caminho à procura de melhores condições de vida ou até mesmo da liberdade, que, por diferentes razões, lhes era negada na sua terra natal.

Nesta Vigília da nossa peregrinação estamos a celebrar a Missa votiva pela paz e pela justiça, dons necessários para que haja verdadeiro crescimento e desenvolvimento. Quando elas faltam, o progresso não é possível ou sê-lo-á apenas para alguns, aumentam as desigualdades, o fosso entre ricos e pobres torna-se cada vez mais profundo, o pomar dos ricos sobranceia com o deserto de grande parte da humanidade. Aqui surgem a inveja, o descontentamento e até a revolta, que minam a paz, a tranquilidade e a segurança de todos. Já S. Tiago, de que escutámos um trecho na segunda leitura, nos advertia neste mesmo sentido. Passados dois mil anos parece que ainda não aprendemos muito. Na sua recente encíclica sobre o desenvolvimento integral da pessoa humana e da humanidade com o título de Caridade na Verdade, o Santo Padre Bento XVI apontava também estas e outras causas que impedem a construção de uma sociedade justa e dão origem a muitas crises, sendo a financeira e económica a última a assolar o nosso mundo globalizado.

3. Como poderemos vencer estas crises que assolam a humanidade? Estamos todos condenados à falência, ao fracasso? Ou temos possibilidade de as superar?

Aqui estamos, amados peregrinos, para agradecer a Deus, por intermédio de Maria, a sua protecção no meio de uma sociedade egoísta e corrupta e também para pedir-lhe que continue a enviar sobre nós o Espírito do alto, que nos faz compreender toda a mensagem de Jesus, que nos dá a verdadeira sabedoria, para vencermos a mentira e a injustiça dos nossos ambientes, quem sabe se mesmo dentro da nossa própria família! Quantas vezes temos desavenças, contendas e querelas nos tribunais, por nos sentirmos vítimas das injustiças daqueles com quem vivemos ou então para tentarmos impor a nossa vontade aos outros?

Precisamos de nos abrir ao Espírito de Jesus. A conversão, a oração, aqui pedida e recomendada por Nossa Senhora aos três Pastorinhos de Fátima, ajudar-nos-ão a acolher a Boa Nova do Reino de Deus e a partilhá-la com os nossos semelhantes. Não desistamos de rezar pela nossa conversão e pela de todos os pecadores. A oração abre o nosso coração ao amor, à verdade que nos liberta. A nossa oração, aqui unida à de muitos irmãos nossos, mas sobretudo em uníssono com a de Jesus na celebração da Eucaristia, será a arma que vencerá as divisões e injustiças deste mundo. Este é um milagre que sempre acontece quando cumprimos os pedidos de Nossa Senhora, como outrora nas bodas de Cana (fazei o que Ele vos disser) e há 92 anos, em 1917, quando aconteceram as aparições e reinava o flagelo da primeira guerra mundial. Com esta arma também nós venceremos as crises e as guerras de hoje.

4. A este propósito cito a Mensagem de Bento XVI para o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado, apresentando S. Paulo como modelo de evangelizador e de construtor de uma nova sociedade, onde todos vivem como irmãos, sem discriminação de pessoas e que constitui também o tema desta peregrinação: Guiado pelo Espírito Santo, S. Paulo prodigalizou-se sem reservas para que fosse anunciado a todos, sem distinção de nacionalidade e de cultura, o Evangelho que é «poder de Deus para a salvação de todos os fiéis... Nas suas viagens apostólicas, não obstante as reiteradas oposições, proclamava primeiro o Evangelho nas sinagogas, chamando a atenção sobretudo dos seus compatriotas na diáspora (cf. Act 18, 4-6). Se eles o rejeitavam, dirigia-se aos pagãos, fezendo-se autêntico «missionário dos migrantes», ele mesmo migrante e embaixador itinerante de Jesus Cristo, para convidar todas as pessoas a tornarem-se, no Filho de Deus, «novas criaturas» (2 Cor 5, 17).

5. Nesta meditação da Missa da Vigília da Peregrinação Internacional dedicada aos Migrantes e Refugiados convosco, amados peregrinos, peço a Deus, por intercessão de Nossa Senhora de Fátima, para que surjam entre as comunidades emigrantes as vocações sacerdotais necessárias ao seu desenvolvimento humano integral, do qual faz parte a relação com Deus, que precisa de ser alimentada com a Palavra de Jesus Cristo e com o Pão do Céu, que é Ele próprio e que se torna presente na celebração da Eucaristia, dom da Vida de Jesus para a vida do mundo. Peçamos a Deus este alimento que vem do alto e para cuja recepção precisamos da mediação da Igreja e dos seus sacerdotes. Sem Eucaristia, sem o Pão do Céu, em vão lutaremos pelo progresso. Este nunca será integral e capaz de saciar a fome do ser humano, feito para o eterno.

Estamos num Ano sacerdotal. Continuamente nos chegam pedidos de sacerdotes para acompanharem os nossos emigrantes nas várias partes do mundo e nem sempre temos capacidade de resposta, porque as nossas dioceses também não têm suficientes para as suas necessidades, No entanto não podemos limitar-nos a pedir ajuda. Temos que contribuir para que entre os filhos dos emigrantes surgem as vocações sacerdotais necessárias à vida da Igreja onde residem e trabalham. Aqui e acolá vão aparecendo algumas, mas ainda estamos muito dependentes da ajuda exterior. Por isso, reunidos em oração neste santuário bendito, rezemos pelos nossos missionários, testemunhas do Evangelho nas várias partes do mundo onde se encontram emigrantes de língua portuguesa, mas rezemos também pelas vocações sacerdotais entre os próprios filhos dos emigrantes.

6. Aqui, junto da Mãe de Jesus, viemos fortalecer a nossa esperança, a nossa fé e caridade, para sabermos viver em paz e em comunhão com todos os nossos irmãos, sejam eles da nossa família ou de outros países, e que em Portugal procuram o que não encontraram noutra parte. Connosco eles querem contribuir para o desenvolvimento da Europa e do nosso pais, que, apesar da tragédia do desemprego crescente, já não consegue subsistir sem o contributo dos imigrantes. A redução da natalidade entre nós deixou muitas aldeias desertas e muitos sectores da vida social e laboral sem as forças activas necessárias.

A comunidade dos irmãos brasileiros é a mais numerosa entre nós. Por isso convidámos para presidir à peregrinação deste ano o nosso colega no episcopado D. Alessandro Carmelo Ruffinoni, encarregado, a nível da Conferência Episcopal do Brasil, dos emigrantes brasileiros, o maior país da América Latina e um dos maiores do mundo e que fala a nossa língua. Sabendo que muitos portugueses encontraram estabilidade pessoal e familiar no Brasil, sejamos hoje também agradecidos a Deus pelo bem que os nossos antepassados encontraram nesse grandes pais. E a gratidão mostra-se no acolhimento, na hospitalidade, nas relações fraternas, fazendo do imigrante um membro da nossa família humana.

Que Nossa Senhora de Fátima interceda por todos nós, para que nos tornemos numa grande família de irmãos, sem discriminações nem acepção de pessoas, não apenas aqui em Fátima, mas em todo o lado onde vivemos e trabalhamos. Que esta peregrinação seja um forte impulso no aprofundamento dos laços fraternos e na construção da família humana, onde não há senhores e escravos, cidadãos e estrangeiros, mas só concidadãos e peregrinos, de mãos dadas e corações unidos, a caminho da Jerusalém celeste, a pátria definitiva, de que esta assembleia litúrgica é um grande sinal. Ámen!

Fátima, 12 de Agosto de 2009

† António Vitalino, Bispo de Beja

 

 

Homilia de D. Alessandro Ruffinoni, em Fátima

“Migram os pássaros e os animais, levados pelo instinto; migram as sementes nas asas dos ventos; migram as plantas de continente a continente, levadas pelas correntes das águas e, mais que todos, migra o homem, instrumento daquela Providência que preside e guia os destinos humanos, para a meta, que é o aperfeiçoamento do homem e a glória de Deus” (Scalabrini).

Assim o Pai e Apóstolo dos migrantes, João Batista Scalabrini, via as migrações: um instrumento da Providência para espalhar no mundo a fé, o progresso e a solidariedade.

Na carta a Diogneto está escrito: “Para o cristão toda terra estrangeira é pátria e toda pátria é terra estrangeira.... o cristão habita a terra, mas é cidadão do céu”.

É intenso e profundo pensar num mundo sem fronteiras, sem a palavra estrangeiro, pois esta é uma palavra triste, fria, uma palavra que separa e divide...

Na Igreja ninguém é estrangeiro, disse o Papa João Paulo II°, todos somos irmãos e irmãs, filhos e filhas do mesmo Pai.

Jesus disse: “Não vos chamo servos... mas vos chamo amigos...”. Somos todos da mesma família de Deus. A Igreja é mãe e como mãe acolhe a todos e aceita todas as etnias.

Não me perguntem quantos idiomas eu falo, porque para o migrante, há apenas dois idiomas. O idioma de Caim e o de Abel. O de Caim é o do ódio, da inveja, da humilhação, do engano, do aproveitamento, da esperteza, da prisão, da deportação, das patrulhas, das rondas... Já o idioma de Abel é o do amor, da acolhida, da solidariedade, do perdão, da fraternidade, da amnistia... Não importa se sou italiano, português, brasileiro, americano, chinês ou japonês. Aquilo que é realmente importante é que somos todos feitos a imagem e semelhança de Deus.

Neste contexto, poderíamos nos perguntar: Que sentido tem esta peregrinação dos migrantes ao Santuário de Fátima? Por que reunir tanta gente ao redor de uma mesa eucarística, na casa da nossa Mãe comum, Maria Santíssima? Os motivos são muitos, queridos irmãos e irmãs. A Igreja como demonstração de amor e carinho, quer dizer aos seus filhos e filhas que reconhece a trajectória de cada um; que não os esqueceu, apesar de estarem longe, dispersos pelo mundo inteiro; que os acompanha com sua prece, para que não cansem e não desanimem na busca de uma vida melhor.

A Igreja, hoje e sempre, quer dizer, também, a todos vocês e a todos os migrantes do mundo um muito obrigado pelo trabalho realizado, pela contribuição com o progresso das nações que os acolhem. Vocês são sementes de Deus que espalham com a sua vida e o seu testemunho a fé, os costumes e as tradições de sua pátria, enriquecendo, assim, os povos com os quais estão convivendo.

Vocês são como os pastores de Belém, que após haverem visto e adorado a Jesus na manjedoura partiram para proclamar as maravilhas de Deus. Muita gente ao receber, vocês migrantes, se contagia com sua fé e acredita em Deus. Vocês partiram como simples discípulos e pastores e tornaram-se grandes missionários em nosso mundo. Quantas lindas histórias poderia aqui contar de migrantes que plantaram no meio da floresta, no meio das grandes metrópoles, nas planícies e nos montes, com a ajuda de um simples quadro, ou imagem, um grande santuário ou uma grande Catedral ao redor dos quais se desenvolveram uma fé e uma tradição cristã. Em viagens ao Japão e aos Estados Unidos constatei como a presença dos migrantes é uma forte contribuição para o crescimento de valores cristãos e humanos entre as pessoas.

Por isso, o migrante nunca pode ser considerado como um problema, nem pela Igreja, nem pelo Estado que o acolhe, e sim uma riqueza de grande valor de que devemos agradecer a Deus.

Na recente Encíclica Caritas in Veritate, o Papa Bento XVI chama a atenção para o fenómeno das migrações na contemporaneidade. “É um fenómeno impressionante pela quantidade de pessoas envolvidas, pelas problemáticas sociais, económicas, políticas, culturais e religiosas que levanta, pelos desafios dramáticos que coloca às comunidades nacional e internacional. Pode-se dizer que estamos perante um fenómeno social de natureza epocal, que requer uma forte e clarividente política de cooperação internacional para ser convenientemente enfrentado. Esta política há-de ser desenvolvida a partir de uma estreita colaboração entre os países donde partem os emigrantes e os países de chegada; há-de ser acompanhada por adequadas normativas internacionais capazes de harmonizar os diversos sistemas legislativos, na perspectiva de salvaguardar as exigências e os direitos das pessoas e das famílias emigradas e, ao mesmo tempo, os das sociedades de chegada dos próprios emigrantes. Nenhum país se pode considerar capaz de enfrentar, sozinho, os problemas migratórios do nosso tempo (...). Todo o imigrante é uma pessoa humana e, enquanto tal, possui direitos fundamentais inalienáveis que hão-de ser respeitados por todos em qualquer situação” (62).

Também no Documento de Aparecida (Maio 2007) os Bispos Latino-americanos e Caribenhos recordam o dever do acompanhamento pastoral dos migrantes, afirmando: “Entre as tarefas da Igreja em favor dos migrantes está a denúncia profética dos atropelos que eles sofrem frequentemente. Como Igreja que ama seus filhos devemos nos esforçar para conseguir uma política migratória que leve em consideração os direitos das pessoas em mobilidade” (DAp 414).

A Igreja, dioceses e paróquias, deve dar o exemplo para uma melhor acolhida dos migrantes, ajudando os fiéis a superar preconceitos e prevenções. Ela é chamada a ser encontro fraterno e pacífico, casa de todos, edifício sustentado pela verdade, pela justiça, pela caridade e pela liberdade (João XXIII). Onde está o povo que sofre e trabalha, aí deve estar a Igreja (Scalabrini)

O migrante não é um estrangeiro, mas um mensageiro de Deus que surpreende e rompe a regularidade e a lógica da vida quotidiana. No migrante a Igreja vê Cristo que “coloca a sua tenda no meio de nós” (Jo 1,14) e que “bate à nossa porta (Ap 3,20).

Feliz daquele povo que sabe acolher e abrir a porta ao migrante, porque encontrará mais paz e alegria.

Uma palavra, agora, aos migrantes Brasileiros presentes nesta peregrinação e que encontraram, nesta nação, acolhida e trabalho. Como bispo encarregado pela CNBB  da pastoral dos migrantes brasileiros no exterior (PBE), quero dizer-lhes que a Igreja do Brasil é orgulhosa de todos vocês, pela sua fé, pelo trabalho e pelo espírito de alegria que contagia a todos. Todos os anos, no mês de Junho, celebramos, nas Dioceses do Brasil, a semana do migrante e é precisamente neste tempo que elevamos a Deus as nossas preces para os migrantes, de maneira especial recordando os 4 milhões de brasileiros/as espalhados no mundo. Como responsável da pastoral para os brasileiros no exterior, queremos ser ponte entre a sua pátria de origem e a nova pátria que os acolhe. Queremos dialogar e pedir encarecidamente aos nossos irmãos bispos e sacerdotes, que agora são os seus pastores, para que façam o possível, para que não lhes falte acompanhamento espiritual e o apoio fraterno.

Permitam que termine a minha mensagem fazendo uma prece a nossa Senhora de Fátima.

Ó Virgem e Nossa Senhora de Fátima, Mãe dos peregrinos. Ensina-nos o caminho do amor e da fraternidade. Fica connosco nos momentos de desânimo e de tristeza. Fica connosco quando ao redor de nossa fé surgem as dúvidas e as dificuldades. Fica em nossas famílias para que continuemos sendo ninhos de amor, respeito e união. Fica com aqueles nossos irmãos e irmãs que mais sofrem em terras estrangeiras, porque não tem casa, trabalho e comida. Olha com carinho às nossas crianças e aos jovens. Que possam crescer como o teu Filho Jesus, em idade, bondade e sabedoria. Que eles nos ajudem a fazer desta terra um lugar de fraternidade e de paz. Fortalece a todos na fé para que sejamos discípulos missionários de teu Filho Jesus. Amém.

Viva Nossa Senhora de Fátima!

Fátima, 13 de Agosto de 2009

+  Alessandro Ruffinoni

www.newsletter@ecclesia.pt

Textos recolhidos através do site acima indicado (com a devida vénia)

e transcrição de António Fonseca

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