Padre Américo - Data de Nascimento - 23 de Outubro de 1887
Perguntarão vocês:
Que data é esta? 23 de Outubro de 1887.
O que significa?
De certeza absoluta que à maioria das pessoas que eventualmente por aqui passam (por este blogue, sem pretensões) se for feita esta pergunta, não saberá responder senão que é uma data correspondente a dois séculos atrás em que terá ocorrido qualquer acontecimento porventura importante, mas que de repente não lhes virá à ideia.
De facto ocorreu um facto que na altura ninguém poderia adivinhar e o facto foi este:
Numa freguesia do concelho de Penafiel, chamada Galegos, pela uma hora da madrugada nasceu uma criança do sexo masculino, filho de Teresa Rodrigues Ferreira e de seu marido Ramiro Monteiro de Aguiar, que lhe queriam dar o nome de Adriano; simplesmente no dia do Baptismo, o Tio e Padrinho exigiu que se lhe desse o nome de Américo em memória do Cardeal D. Américo, ao tempo Prelado portucalense. Ficou assim o seu nome completo, a ser Américo Monteiro de Aguiar e que completaria hoje (se fosse vivo) 122 anos !!!
Seus pais eram lavradores relativamente abastados. Américo bem cedo quis entrar para o Seminário do Porto, mas seu pai opôs-se. Em Maio de 1899 entrou para o Colégio do Carmo de Penafiel, onde a disciplina era austera e em Outubro do ano seguinte, foi matriculado no Colégio de Santa Quitéria, em Felgueiras, apesar disso o filho mais novo do casal insistiu em fazer o exame de admissão ao Seminário, mas o pai inabalável destinou-ou ao comércio e assim em 1902, o adolescente vai "vender ferros" conforme linguagem pitoresca de sua mãe, para uma casa na Rua Mouzinho da Silveira, (110) no Porto.
Quatro anos depois (18-Novembro-1906) parte para Moçambique para trabalhar com seu irmão Jaime, permanecendo ali alguns anos trabalhando ardorosamente e sente a fortuna a bater-lhe à porta. Enquanto ali esteve conheceu na Beira, um sacerdote franciscano, o Padre Rafael de quem se fez amigo e que anos mais tarde voltará a encontrá-lo em Lourenço Marques, não já como Padre, mas sim Bispo. Não se conhecem muitos detalhes da sua vida em África pois foi sempre extremamente reservado no que a si se referia, quanto ao passado. Em 1923, regressa a Portugal, insatisfeito e cheio de indecisões; pensa ir para o Funchal, depois foi para Londres para tratar de negócios que não se chegaram a concluir.
Com a "martelada" a atormentá-lo e a dilacerar-lhe a alma, toma a resolução de se fazer frade mendicante, ingressando pois no convento franciscano de Vilariñho de la Ramallosa (Tuy) em Espanha. Dois motivos concorreram - julga um seu biógrafo (José da Rocha Ramos) - para aquela decisão. a grande devoção que tinha por S. Francisco de Assis e a assídua convivência que teve com os franciscanos em Moçambique, sobretudo com D. Rafael. O Padre Rafael Maria da Assunção servira as Missões Franciscanas de Moçambique desde Maio de 1898. Em Novembro de 1920 foi nomeado Bispo Titular de Augusta e Prelado de Moçambique. Posteriormente foi Bispo de Cabo Verde, entre 1935 e 1940. Como atrás se disse, nove anos depois de chegar a África, o jovem Américo conheceu aquele (então) missionário e ficaram muito amigos. Em Maio de 1915 encontraram-se mais uma vez, numa viagem de férias a Portugal no mesmo navio que os transportava e no regresso de Galegos, visitaram-se muitas vezes em Lourenço Marques. Possivelmente terá sido por sugestão de D. Rafael que Américo entrou para o convento em Tuy...
De Outubro de 1923 até ao Verão de 1925 faz o noviciado nos franciscanos e prepara-se para o sacerdócio. Algum tempo depois de tomar o hábito é aconselhado a deixar a Ordem. Regressa a Galegos em Julho de 1925 vai ter com seu irmão, o Padre José, pároco de S. Miguel de Paredes e pela mão deste apresenta-se ao Bispo do Porto para requerer o ingresso no Seminário, mas este nega a admissão. Américo sai desanimado da Casa Episcopal do Porto, dirige-se ao Bispo de Coimbra, D. Manuel Luís Coelho da Silva, natural da Diocese do Porto que tinha sido ordenado pelo Cardeal D. Américo, em 24-Setembro-1881, o qual em 1886 nomeia-o Chanceler do Bispado e em Fevereiro de 1896, Vigário Geral. Aliás Américo já conhecia D. Manuel há muitos anos, quando trabalhou na Rua Mouzinho da Silveira a vender ferro. Anos depois quando o Prelado faleceu em 1 de Março de 1936, Américo escreve emocionado: "Deu-me as Ordens Sacras, fez-me sacerdote: o maior de todos os títulos, para a maior de todas as gratidões. Homem de uma só cara e de um só falar (eu não sou francês) viveu, sofreu e morreu pela justiça e pela verdade."
Em 28 de Julho de 1929, Américo é ordenado presbítero e foi nomeado pelo Prelado D. Manuel Silva, prefeito do Seminário e professor de português. Verificando a insatisfação de Américo - que achava que não estava no lugar certo - D. Manuel entrega-lhe a "Sopa dos Pobres" e o insatisfeito descobre a sua verdadeira vocação: Recoveiro dos Pobres. Aliás já no tempo do Seminário ele revelara uma apetência enorme pelo exercício da Caridade, sendo até por isso que lhe foi negada a profissão religiosa em Vilariño de La Ramallosa. No dia da ordenação de subdiácono , por sua livre e espontânea vontade, fez voto de pobreza: "Em nome e por amor de Nosso Senhor Jesus Cristo, o grande Mendigo que me tem cumulado de riquezas sem conta, nem peso nem medida, declaro solenemente, humildemente, que nada desejo possuir, nem saber nem pregar, senão a verdadeira riqueza que o mundo ignora e que se chama altíssima Pobreza do meu Senhor Jesus Cristo. E assim, com a consciência clara e visão segura das dificuldades, privações e responsabilidades da vida futura, quero ligar-me a ela por um voto de Pobreza sub gravi que hoje juro, humildemente, nas mãos do meu Prelado, renunciando desde já a tudo quanto possuo ou venha a possuir, obrigando-me a viver pobremente do meu trabalho de cada dia e a entregar ao meu legitimo superior tudo quanto sobrar do meu legítimo sustento e decente vestuário." Nessa mesma altura entregou ao Prelado todo o dinheiro que possuía, das sobras que ganhara em África.
A partir daí - da entrega da "Sopa dos Pobres" - começou a desenhar-se e a desenvolver-se o PAI AMÉRICO em toda a sua plenitude - visitas aos pobres, em Coimbra nas suas casas paupérrimas, levando-lhes de comer, envolto na sua capa negra, e chamando-se a si próprio o Recoveiro dos Pobres. Vendo as crianças abandonadas na rua, órfãos e marginalizados começa a pensar na Obra da Rua. Passa a ser um homem torturado e nunca mais terá paz, transforma-se num "revolucionário pacífico". Percorre os caminhos de Portugal, entra nos hotéis, vai às praias, sobe aos púlpitos a lançar o seu grito de guerra. Lança o jornal O GAIATO e não se cansa de bradar aos quatro ventos: - Não tenhas medo da chuva. Não vais endoidecer por me ouvires (como sucede nos campos de batalha à mocidade transida de terror) não vais. Vais antes chorar de compaixão, que a guerra que eu faço é de amor.
Conhece a Condessa do Ameal - "essa santa de marfim que eu tanto choro e os Pobres muito mais; nunca visitou um Pobre de automóvel e entrava em casa deles com vergonha de ser rica." Mais tarde no seu livro O Pão dos Pobres, referir-se-á a ela e no Porto quando ia ao Barredo, deixa também o carro nas cercanias e entra ele ali sem medo de enfrentar o bacilo da tuberculose e com vergonha de ter duas túnicas e um par de sapatos. Aprendeu com ela a dividir mais e cada vez mais com os pobres o que lhe davam. Em Agosto de 1935 fundou as Colónias de Campo em S. Pedro de Alva, Vila Nova do Ceira e em Miranda do Corvo. Em 1940, o Padre da Rua estrutura a Casa do Gaiato. A primeira Casa da Obra surgiu em 7 de Janeiro de 1940 em Miranda do Corvo, depois em 23 de Abril de 1943 inicia as obras da Aldeia dos Rapazes em Paço de Sousa e em 31 de Maio chegarão os primeiros rapazes mas só em Janeiro de 1946 estes começam a viver em pleno nas suas novas moradias.
Entretanto quando veio para o Porto (aonde se deslocava muitas vezes, já antes para ir ao Barredo (formado por um aglomerado de casas velhas, sem condições, situado entre o Seminário Maior, na Sé e os arcos de Miragaia) conheceu o Dr. Lopes Rodrigues, médico que se preocupava imenso com a tuberculose que grassava então no País e que fundou o Hospital de santa Maria, a Assistência aos Tuberculosos do Norte de Portugal e o sanatório de Montalto, (onde chegaram a estar internados 300 doentes...). Este médico não quer saber de burocracias e movimenta a Imprensa e muita gente que o ajuda a alcançar os seus fins, Conhece também o Padre Grilo que fundou uma obra de assistência aos rapazes, em Matosinhos e com quem teve assíduos contactos. Foi aos Ministérios a Lisboa para pedir ajuda, mas não quer prestar contas a ninguém e di-lo directamente ao Engenheiro Duarte Pacheco (Ministro das Obras Públicas) fazendo-o de tal modo inflamado que ele lhe garante de imediato 300 contos (de 1950 (!) ). Entretanto em 1948 funda a Casa do Gaiato de Santo Antão do Tojal e em 1 de Julho de 1955 (um ano antes da sua morte) funda a casa em Setúbal.
A Obra no entanto está incompleta, faltam os Lares e o Calvário; o primeiro Lar nasce na Rua D. João IV - Porto em 3 de Fevereiro de 1945; a seguir em S. João da Madeira; em Coimbra em Janeiro de 1941 havia também fundado o Lar do Ex-Pupilo dos reformatórios que em 1950 passou para os Serviços Jurisdicionais de menores do Ministério da Justiça. O Calvário foi a sua derradeira obra; a Capela da casa do Gaiato de Beire (Paredes) foi inaugurada precisamente dois dias antes do acidente que vitimou o Padre Américo. Iniciada em 1954 numa quinta doada para esse fim, o Calvário é um autêntico monumento à dignidade do doente incurável, Ninguém melhor do que uma anónima e piedosa mulher cristã o caracterizou: "Nem sequer sei expressar o que sinto em face desta Obra; é um misto de assombro, comoção, respeito, recolhimento. Dá-me vontade de ajoelhar e rezar."
Falta referir o Património dos Pobres, uma criação do Fundador da Obra da Rua. Genial e única. Mesmo após a morte de Padre Américo as cerca de 2500 casas construídas para os pobres, em 1997 já tinham subido para mais de 3 000, em muitas delas há placas que dizem: VIVER, DEIXAR VIVER , AJUDAR A VIVER.
No dia 12 de Julho de 1956 a meio da tarde foi a Viana do Castelo falar com o Bispo de Angra e depois seguiu para a Marinha Grande onde tencionava inaugurar um bairro do Património dos Pobres. Tendo tido porém conhecimento de que se lhe preparava uma grande recepção, resolveu desistir e pernoitou em S. Martinho do Porto, regressando a seguir a Paço de Sousa. Em Coimbra encontrou Almeida e Sousa, bibliotecário da Universidade e disse-lhe: "Eu tencionava passar uns dias em casa do Geninho, mas tenho estas duas santas(*) comigo e vou directamente para o Norte".
Poucas horas depois, já perto de Paço de Sousa, à saída de S. Martinho do Campo, com o Abel ao volante, surgem, inesperadamente numa curva da estrada, uma camioneta e um carro de bois. Dá-se então o acidente. São 5 horas da tarde do dia 14 de Julho de 1956 (com 68 anos). O Padre Américo partiu as pernas, sem uma queixa, caiu de joelhos, tendo o cuidado de ilibar de qualquer culpa o seu querido motorista. Dois dias depois, 16 de Julho, em que se faz a memória de Nossa Senhora do Carmo, ele morre no Hospital de Santo António, depois de longas horas de sofrimento. Toda a Cidade do Porto, o Barredo em peso, as crianças da rua, toda a gente, desfila noite e dia junto do seu ataúde, na Igreja da Trindade. No dia do seu funeral toda a cidade parou para o acompanhar na derradeira viagem para Paço de Sousa, onde está na sua Aldeia dos Rapazes.
No elogio fúnebre, o Dr. Eduardo Albuquerque afirmou: "Orava em silêncio - mais praticando do que falando!...
Esta pequena frase resume toda a vida e acção do PADRE AMÉRICO. Ele era de facto o Padre Américo-místico, na acção, o romeiro orante do tugúrio, o mestre de oração.
Pergunto eu: Para quando a sua elevação aos altares junto dos outros SANTOS?
Recolha efectuada através do texto do livro PADRE AMÉRICO - Místico do nosso tempo, de José da Rocha Ramos,
publicado em 1997 pela Editorial da Casa do Gaiato - Paço de Sousa - Penafiel.
António Fonseca
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