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“SE ALGUÉM NÃO QUER TRABALHAR, TAMBÉM NÃO COMA”
Para a maioria das pessoas, o trabalho é o principal, senão mesmo o único ganha-pão; para o próprio e para os que dele dependem. Além disso, é a trabalhar que a pessoa mais manifesta o que é, as qualidades que a identificam. Daí a variedade de profissões, que, na sua complementaridade, são um dos principais factores, não só do progresso, mas também da união, imprescindível em qualquer sociedade organizada.
Mas o trabalho é também um dever, e pelas mesmas razões que fazem dele um direito. Se é mau não trabalhar por não se poder, por não se querer não é melhor. Pelo menos para os cristãos. Para nós, além das razões humanas referidas, há uma outra, especificamente cristã.
Ela é, pelo menos, pressuposta por Paulo em 2 Ts 3, 6-13, a propósito da questão principal abordada na carta; uma exagerada expectativa da última vinda de Cristo (2, 1-12). Exagerada, por se pensar estar para breve e, sobretudo, pelos desarranjos que isso estava a causar na comunidade, designadamente em relação ao dever do trabalho.
É possível que hoje se dê o contrário. Que não se trabalhe ou se trabalhe demais, por se viver desligado de Cristo. Mas, se é esse o motivo, isto é, o desconhecimento teórico ou prático do sentido cristão do trabalho, então continuam válidas as palavras de Paulo, mesmo para quem trabalha e sabe porque o faz... ou pensa saber.
2 TS 3, 6-13
Mas ordenamo-vos, irmãos, em nome do Senhor Jesus Cristo, que vos afasteis de todo o irmão que procede desordenadamente e não conforme a tradição que de nós recebestes.
Com efeito, vós próprios sabeis como deveis imitar-nos, pois não vivemos desordenadamente entre vós, nem comemos o pão de graça à custa de alguém, mas com esforço e cansaço, trabalhando noite e dia, para não sermos um peso para com esforço e cansaço, trabalhando noite e dia, para não sermos um peso para nenhum de vós. Não é que não tivéssemos esse direito, mas foi para nos apresentarmos a nós mesmos como modelo, para que nos imitásseis. De facto, quando ainda estávamos convosco, era isto que vos ordenávamos: se alguém não quer trabalhar, também não coma.
Ora ouvimos dizer que alguns procedem no meio de vós desordenadamente, não se ocupando de nada, mas fazendo coisas inúteis. A estes tais ordenamos e exortamos, no Senhor Jesus Cristo, a que, trabalhando com tranquilidade, comam o seu próprio pão. Mas vós, irmãos, não vos canseis de fazer o bem.
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Não estará Paulo a ser desumano e até em contradição com a caridade cristã para com quem não trabalha? Perante o drama do desemprego que a tantos afecta, será justo dizer que se alguém não quer trabalhar, também não coma? É verdade que a maioria deles, não é por livre vontade que está inactiva. Mas, mesmo em relação a esses, será realmente cristão afastar-nos deles (v. 6)?
E repare-se que não se trata de uma simples exortação. O verbo traduzido por ordenar era, na origem, usado na disciplina militar, onde as ordens eram, como hoje, indiscutivelmente para cumprir. E se a isso juntarmos a autoridade em que Paulo se apoia (vv. 6 e 12), então a obrigatoriedade imposta não vem apenas do foro externo, mas está enraizada na profunda convicção de fé de quem reconhece Jesus Cristo como Senhor. Nesse caso, porém, onde está, naqueles que o seguem, a caridade e a misericórdia que o levaram a acolher a todos, incluindo, e de um modo especial, os marginais e pecadores, até ao ponto de por eles dar a vida? Não estará a exclusão ordenada por Paulo em contradição com o perdão proclamado e praticado por Cristo? E onde está a liberdade, pela qual se deve pautar a conduta cristã baseada na caridade?
Mas agora perguntemos: vamos então, por todas estas razões, rejeitar as palavras de Paulo? Aceitá-las só por fazerem parte do cânon bíblico, também não é solução. Seria cair no fundamentalismo, contrário a uma exegese que, para conhecer o exacto sentido dos textos, exige que se investigue, nomeadamente, o seu contexto histórico e literário.
No texto presente, o motivo que levava alguns cristãos de Tessalónica a proceder desordenadamente, deixando de trabalhar e fazendo coisas inúteis (vv. 11), até tinha a sua lógica: se, conforme convicção sua, para mais baseada numa anterior carta de Paulo (provavelmente 1 Ts), o dia do Senhor estava iminente (2, 3) e, com ele, o fim do mundo, para quê então trabalhar, se o produto do trabalho estava condenado à ruína? Não era preferível dedicar-se a outras actividades, mais especificamente religiosas, para assim estarem mais bem preparados para receber o Senhor?
Não sabemos se é a isso que Paulo chama coisas inúteis (v. 11). Se é, então são inúteis por duas razões. Primeiro, porque, se é certa a última vinda de Cristo, não se sabe, porém, quando será. As imagens com que Paulo a descreve em 2, 5-7, concordam plenamente com a afirmação de Jesus, segundo a qual, quanto a esse dia ou a essa hora, ninguém os conhece: nem, os anjos do Céu, nem o Filho; só o Pai (Mc 13, 32). Segundo, porque da vigilância, inerente à certeza da vinda do Senhor e à incerteza da sua data (1 Ts 5, 4-11), faz parte uma conduta cristã fundada na caridade, proclamada no Evangelho. Deixar de trabalhar é desrespeitá-la pela negativa: quem não come do próprio pão, tem de comer do alheio. Ora não foi isso que Paulo fez nem ensinou, quando anunciou o Evangelho, renunciando até a um direito próprio (vv. 7-10).
Portanto, para o cristão, o trabalho é um dever por ser um exercício da caridade. Como tal, não está condicionado à sua remuneração. Não é que não tenha esse direito. Mas o cristão trabalha, primariamente porque ama. Com o produto das suas mãos e do seu cérebro eleva o mandamento do Criador: crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a terra (Gn 1, 28) à dimensão ilimitada e incondicional, própria da caridade que ele manifestou em Cristo.
A isso está inerente outra característica do trabalho, a que Paulo provavelmente se refere, quando diz para ser feito com tranquilidade; a de não viver par trabalhar, mas o contrário. Quem tudo sacrifica aos lucros do trabalho, acaba por arruinar a sua vida e a dosa outros... e por faltar à caridade e à vigilância por ela exigida.
Resta a atitude para com o irmão que procede desordenadamente. Paulo não diz por quanto tempo nem, de que sectores da vida comunitária deveria ária deveria ser excluído. Se cera, como tudo indica, do apoio sócio-caritativo; então a medida tinha por objectivo o que é, ainda hoje, pedagogicamente justificável: obrigá-lo a adquirir por esforço próprio o que deixa de receber, para que assim se converta à caridade e ao bem que ela é para o próprio e para os ouros. Vejam-se medidas semelhantes em Mt 18, 15-17 e 1 Cor 5, 1-13, também elas ditadas pela caridade. E se Paulo termina por pedir a todos para não se cansarem de fazer o bem, é porque esperava que a exclusão produzisse o seu efeito.
05-03-2009
Retirada do Livro "UM ANO A CAMINHAR COM SÃO PAULO"
publicado por D. Anacleto de Oliveira - Bispo Auxiliar de Lisboa
Imagem de S. Paulo na Igreja da Comunidade de S. Paulo do Viso
António Fonseca
LOUVADO SEJA DEUS,
LOUVADO SEJA NOSSO SENHOR JESUS CRISTO E
LOUVADA SEJA SUA MÃE MARIA SANTÍSSIMA,
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