SEGUNDA CARTA AOS CORÍNTIOS
A FORÇA MANIFESTA-SE NA FRAQUEZA
Introdução
É difícil dar uma visão ordenada da segunda carta aos Coríntios. Isto porque esta carta é composta, provavelmente, de vários escritos que Paulo enviou aos Coríntios em ocasiões diferentes. Um facto é certo: o Apóstolo remeteu mais de duas cartas aos Coríntios; pelo menos quatro e um bilhete. Alguns dados ajudam a descobri-lo. Em 1Cor 5,9, Paulo diz que tinha escrito uma carta anterior, admoestando os Coríntios para que não tivessem relações com gente imoral. Em 2Cor 2,4, fala de uma carta severa e que, ao escrevê-la, «estava tão preocupado e aflito que até chorava». Essas duas cartas, terão desaparecido ou podemos encontrá-las em algum lugar? Vamos por partes:
1. O trecho 2Cor 6,14 — 7,1 interrompe de certa maneira o contexto; se retirado, não faria falta e até a leitura correria melhor. Nesses versículos Paulo trata dos ídolos e da impiedade; por isso, alguns estudiosos pensam que se trata de um pedaço da carta mencionada em 1Cor 5,9.
2. Os capítulos 10-13 da segunda carta aos Coríntios têm tonalidade diferente dos capítulos anteriores. Paulo mostra-se severo e nota-se grande envolvimento emocional. Pode ser a carta de que ele fala em 2Cor 2,3.
3. No início de 2Cor 9, Paulo diz que é inútil escrever sobre o «serviço prestado aos cristãos», isto é, sobre a colecta. No entanto, o cap. 8 já tratara longamente sobre essa questão. Este cap. 9 seria então, um bilhete escrito posteriormente, que retoma o assunto da colecta.
Assim, temos em ordem cronológica:
A — 2Cor 6,14-7,1: fragmento da carta escrita antes da 1Cor.
B — Primeira carta aos Coríntios.
C — 2Cor 10-13: carta severa escrita entre lágrimas. Paulo defende ardorosamente a autenticidade do seu ministério, fazendo uma espécie de diário apaixonado da sua vida de Apóstolo. Os coríntios tinham-no pressionado, exigindo contas quanto à origem da sua vocação, à autenticidade do seu evangelho e à sinceridade do seu comportamento. Paulo reage magoado; mas, com firmeza e de coração aberto, expõe a sua vida. Deixa vir à tona a sua personalidade exuberante e contraditória: ele é forte e fraco, audaz e reservado, impetuoso e terno, mas sempre fiel à missão apostólica e plenamente convicto do evangelho que prega.
D — 2Cor 1-8: carta escrita depois da anterior (C). Recorda os incidentes entre o Apóstolo e a comunidade de Corinto, em particular o caso de alguém que o teria injuriado pessoalmente. Tito fora enviado para resolver essa questão e voltara trazendo boas notícias sobre a reconciliação. No final (cap. 8), dá instruções sobre uma colecta para ajudar a Igreja de Jerusalém, que se encontrava em sérios apuros financeiros.
E — 2Cor 9: bilhete escrito pelo próprio Paulo, retomando o assunto da colecta, talvez endereçado às Igrejas da região de Corinto.
A sequência pode parecer complicada, mas permite compreender melhor os acontecimentos e o modo como Paulo reagiu às dificuldades suscitadas pela turbulenta comunidade de Corinto.
SEGUNDA CARTA AOS CORÍNTIOS
Prólogo
1
Endereço e saudação
1Paulo, Apóstolo de Jesus Cristo pela vontade de Deus, e o irmão Timóteo, à Igreja de Deus que está em Corinto, e também a todos os cristãos que se encontram por toda a Acaia. 2A graça e a paz vos sejam dadas da parte de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo.
Solidariedade na perseguição
3Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai das misericórdias e Deus de toda a consolação! 4Ele nos consola em todas as nossas tribulações, para que possamos consolar os que estão em qualquer tribulação, através da consolação que nós mesmos recebemos de Deus. 5Na verdade, assim como os sofrimentos de Cristo são numerosos para nós, assim também é grande a nossa consolação por meio de Cristo. 6Se somos atribulados é para vossa consolação e salvação. Se somos consolados, é para vossa consolação, para que possais suportar os mesmos sofrimentos que também nós padecemos. 7E a nossa esperança a vosso respeito é firme, pois sabemos que, se participais dos nossos sofrimentos, também haveis de participar da nossa consolação. 8Irmãos, não queremos que ignoreis isto: a tribulação que sofremos na Ásia fez-nos sofrer muito, para além das nossas forças, a ponto de perdermos a esperança de sobreviver. 9Sim, nós sentíamo-nos como condenados à morte: a nossa confiança já não podia estar apoiada em nós, mas em Deus que ressuscita os mortos. 10Foi Deus que nos libertou dessa morte e dela nos libertará; n’Ele colocamos a esperança de que ainda nos libertará da morte. 11Para isso vós ides colaborar através da oração. Deste modo, a graça que obteremos pela intercessão de muitas pessoas provocará a acção de graças de muitos em nosso favor.
I. A VISITA ADIADA
Consciência limpa
12Este é o nosso motivo de orgulho: o testemunho da consciência de que nos comportámos no mundo, e mais particularmente em relação a vós, com a santidade e sinceridade que vêm de Deus. Não foram razões humanas que nos moveram, mas a graça de Deus. 13De facto não há nada em nossas cartas além daquilo que ledes e compreendeis. E espero que compreendais plenamente, 14assim como em parte já nos compreendestes que somos para vós motivo de glória, assim como vós o sereis para nós, no Dia do Senhor Jesus.
Firme e fiel
15Animado por esta certeza, eu pretendia em primeiro lugar ir ter convosco, para que recebêsseis uma segunda graça; 16depois seguiria para a Macedónia; e, finalmente, da Macedónia iria outra vez ter convosco, a fim de que me preparásseis a viagem para a Judeia. 17Será que fui leviano ao fazer este projecto? Será que os meus planos foram inspirados por objectivos puramente humanos, de tal modo que em mim existe «sim e não» ao mesmo tempo? 18Deus é testemunha fiel de que a palavra que vos dirigimos não é «sim e não». 19De facto, Jesus Cristo, o Filho de Deus, que eu, Silvano e Timóteo vos anunciámos, não foi «sim e não», mas unicamente «sim». 20Todas as promessas de Deus encontraram n’Ele o seu sim; por isso, é por meio d’Ele que dizemos «Ámen» a Deus, para a glória de Deus.
21Quem nos fortalece juntamente convosco em Cristo e nos dá a unção, é Deus. 22Deus marcou-nos com um selo e colocou em nossos corações a garantia do Espírito.
Não dominar a fé
23Quanto a mim, invoco a Deus como testemunha da minha vida: foi para vos poupar que não voltei a Corinto. 24Não é nossa intenção dominar a fé que tendes, mas colaborar para que tenhais alegria. Quanto à fé, vós estais firmes.
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16,1-4: Cf. notas em 2Cor 8-9.
5-18: Timóteo teve papel importante nas relações entre Paulo e a comunidade de Corinto (4,17; Act 15,41-16,5; 19,21-22). Apolo não quer voltar logo a Corinto, para não reagrupar um partido em torno do seu nome e do seu prestígio (1,12; 3,5-6; 4,6; Act 18, 24-19,1).
19-24: Maranatá é expressão aramaica e significa «Vem, Senhor!» Entrou em uso na liturgia e exprime a espera da comunidade pela vinda gloriosa de Jesus.
1,1-2: Timóteo acompanha Paulo na segunda e na terceira viagem, participando na fundação da comunidade em Corinto (1,19; cf. Act 18,5). É Timóteo que mantém a ligação entre Paulo e essa comunidade (1Cor 4,17; 16,10-11).
3-11: Paulo conheceu a perseguição e sentiu o medo da morte próxima; teve a experiência da incompreensão e rejeição, até mesmo por parte das comunidades por ele fundadas. Nisso tudo, ele descobre aspectos da tribulação, que caracteriza a condição cristã (cf. nota em Rm 5,1-11). Todavia, ele firma-se numa convicção profunda: a alegria de estar nas mãos do Senhor e participar da própria condição de Jesus. A palavra consolação é repetida nove vezes, para significar a libertação interior, a força reencontrada, a mudança de situação, a experiência de ser sustentado por Deus. Nos momentos difíceis, confirma-se a solidariedade dos cristãos, porque todos pertencem ao mesmo corpo de Cristo.
12-14: Já houve muitos mal-entendidos entre a comunidade e Paulo. Este pede que ninguém procure subentendidos nas suas cartas, nem segundas intenções nos seus actos.
15-22: Paulo prometera voltar a Corinto, mas não fora possível, e por isso foi mal interpretado. Ele mostra, porém, que é firme e fiel, como verdadeiro discípulo de Jesus (cf. Mt 5,36). Se estivesse a enganar os Coríntios, estaria a trair a sua própria fidelidade a Jesus, que foi sempre fiel à vontade de Deus. A seguir, lembra o rito do baptismo, que incorpora os fiéis a Cristo, tornando-os participantes do mistério da Trindade.
1,23-2,13: Paulo explica porque escreveu uma carta, em vez de realizar a visita prometida. Nada sabemos sobre os pormenores do incidente. O Apóstolo foi contestado por alguém que se opôs aos seus colaboradores. Na sua opinião, uma visita poderia aumentar a problemática, enquanto uma carta levaria à reflexão e reconciliação. Foi o que aconteceu: a comunidade puniu o culpado e este reconheceu o próprio erro. Agora, deve prevalecer o amor. A referida carta (2,3)perdeu-se ou encontra-se nos caps. 10-13 da presente carta (cf. Introdução). A sequência dos acontecimentos será retomada em 7,5.
segue-se Capítulo II - 2ª carta
António Fonseca
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