quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Ano Paulino - 37ª Leitura do livro "Um Ano a Caminhar com São Paulo"

37 “DEUS ENCERROU A TODOS NA DESOBEDIÊNCIA, PARA COM TODOS USAR DE MISERICÓRDIA” De todas as religiões não cristãs, é ao Judaísmo que mais estamos ligados. Para o bem e para o mal. Se, nos primórdios do Cristianismo, a culpa pendeu para o lado dos judeus, a seguir, dificilmente a história consegue ilibar de todo a Igreja das perseguições que foram vitimando inúmeros judeus. Mas não por culpa de Paulo. Pelo contrário: o que falhou foi o devido conhecimento do que escreveu em Rm 9-11, já então com o fim, entre outros, de travar a arrogância de cristãos convertidos do paganismo para com os judeus adversos a Cristo (11, 11-24). Mas o que mais levou Paulo a dedicar tanto espaço da carta aos seus queridos irmãos judeus tinha a ver com a credibilidade do seu Evangelho. Como poderia ser ele verdadeiro, se era rejeitado pela maioria dos seus primeiros destinatários? Se ele está, de facto, enraizado na promessa feita desde tempos remotos a Israel (1, 1s), será que a Palavra de Deus tenha falhado (9, 6)? Terá Deus rejeitado o seu povo (11,1), por este se fechar no Evangelho? São questões a que Paulo responde, analisando, com base na Escritura, o modo de agir de Deus, no passado, no presente no futuro de Israel, respectivamente nos cap. 9, 10 e 11. Vejamos a conclusão a que chega em 11, 25-36 e as suas possíveis implicações para o diálogo inter-religioso em que a Igreja está tão empenhada. Rm 11, 25-36 De facto, não quero que vós, irmãos, ignoreis este mistério, para que vos não julgueis sábios, em vós próprios: deu-se o endurecimento de uma parte de Israel, até que a totalidade dos gentios tenha entrado e assim todo o Israel seja salvo, de acordo com o que está escrito:
“Virá de Sião um libertador que afastará as impiedades do meio de Jacob. Esta é a aliança que eu farei com eles, quando tiver removido os seus pecados.”
No que diz respeito ao Evangelho, eles são inimigos, para proveito vosso; mas, em relação à eleição, são amados, graças aos seus antepassados. é que os dons da graça e o chamamento de Deus são irrevogáveis. Outrora vós desobedecestes a Deus, mas agora alcançastes misericórdia, devido à desobediência deles; do mesmo modo, também, eles desobedeceram agora, em favor da misericórdia. Porque Deus a todos encerrou na desobediência,
para com todos usar de misericórdia. Oh, que profundidade de riqueza, de sabedoria e de ciência é a de Deus! Como são insondáveis as suas decisões e impenetráveis os seus caminhos! “Quem conheceu o pensamento do Senhor? Quem lhe serviu de conselheiro? Quem antes lhe deu a Ele, para que lhe seja retribuído?” Porque é Dele, por Ele e para Ele que tudo existe. Glória a Ele pelos séculos! Amén. Para melhor compreendermos o mistério, no sentido de segredo revelado por Deus, exposto nos vv. 25-27, podemos servir-nos de dois provérbios: “Há males que vêm por bem”, porque “Deus escreve direito por linhas tortas”. O mal, neste caso, o endurecimento duma parte de Israel, a sua falta de fé em Cristo. O bem derradeiro é a futura salvação de todo o Israel, por altura da gloriosa parusia de Cristo que Paulo descreve, apoiando-se em Is 59, 20s (v. 26b) e Jer 31, 34 (v. 27): será então que Ele, vindo da Sião celeste, libertará Israel das impiedades ou pecados que o impedem de participar na aliança com Deus. Para Israel, inicialmente é um mal que Deus, porém, “escrevendo direito por linhas tortas”,
fará reverter para seu bem.
Como, concretamente?
Que modo divino de escrever é esse?
É aquele de que Paulo fala (vv. 28-32) em termos, como Evangelho, eleição, graça, chamamento e, sobretudo, misericórdia, quatro vezes mencionada. O que sempre leva Deus a agir é a sua misericórdia ilimitada, intensiva e extensivamente. Intensivamente, porque não está dependente de méritos humanos: nem com seu Filho Jesus Cristo que, segundo o Evangelho, deu a vida em perdão dos pecados; nem na eleição de Israel que foi da exclusiva iniciativa de Deus. Extensivamente, porque Jesus morreu por todos, judeus e não judeus, e os dons da graça e o chamamento de Deus, concedidos outrora a Israel (9, 4ss),
são irrevogáveis. O problema está unicamente na diferente resposta humana a esta ilimitada misericórdia de Deus. Por não estar dependente dos méritos humanos, obtidos pelo cumprimento da Lei, por isso é que os judeus a rejeitaram; por verem assim relativizada a Lei que os demarcava dos gentios. Mas foi este endurecimento que acabou por facilitar a aceitação, por parte dos gentios, da oferta da divina misericórdia, pela obediência da fé. Por sua vez, esta obediência dos gentios fará com que também os judeus se dobrem à mesma misericórdia, Paulo está disso tão certo, que transpõe para o agora do presente o que há-de acontecer no futuro da última vinda de Cristo (v. 31b). Na base desta certeza está, sem dúvida, a experiência que ele próprio fez da misericórdia de Deus. Em pleno endurecimento, quando perseguia os cristãos, foi então que Deus o conquistou para o seu amor incondicional, manifestado em Cristo ressuscitado. Daí a sua conclusão: Deus encerrou a todos na desobediência, para com todos usar de misericórdia (v. 32). Quantas vezes não é preciso passar pelas “linhas tortas” da incredulidade e do consequente mal de uma vida sem Deus, para se poder verdadeiramente saborear o extremo bem do seu perdão incondicional. Veja-se o que acontece na parábola do pai misericordioso de Lc 15, 11-32. Não foi, porventura, a miséria do filho mais novo que o fez voltar à casa paterna, onde se deparou com um acolhimento que ultrapassou todas as suas expectativas? E não foi esse acolhimento que, por sua vez, provocou o endurecimento do filho mais velho? Só falta saber por quanto tempo. Jesus não o diz, porque a parábola é acima de tudo um desafio à fé na misericórdia de um Deus que tudo pode ... nomeadamente naqueles que, por Ele conquistados, dela passam a viver, na sua relação com os outros, a começar por aqueles que o não conhecem como Ele é verdadeiramente. Paulo chama-nos a atenção para isso de duas maneiras. A princípio (v. 25), apela a não nos fecharmos nos limites de uma esperteza humana que exclua quem não é dos nossos. No final (vv. 33-36), oferece-nos um maravilhoso hino aos insondáveis caminhos de Deus. Se realmente reconhecermos que é Dele, por Ele, e para Ele que tudo existe, então encontrá-lo-emos onde porventura até agora o não vimos
... levados pela sua ilimitada misericórdia.

Com a publicação desta 37ª leitura termina a Terceira parte do livro "UM ANO A CAMINHAR COM SÃO PAULO", que se iniciou na 27ª. A partir da próxima publicação darei início à Quarta parte que vai da 38ª à 47ª; depois a Quinta parte que vai da 48ª à 52ª terminando depois com o Epílogo (logicamente !!!) em que "Paulo fala-nos (depois) do seu martírio" e onde é descrita a frase "Para mim, viver é Cristo e morrer é lucro".

LOUVADO SEJA PARA SEMPRE, NOSSO SENHOR JESUS CRISTO E SUA MÃE MARIA SANTÍSSIMA

SAUDAÇÕES VICENTINAS PARA TODOS OS MEUS LEITORES

António Fonseca

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