Com a devida vénia transcrevo deste blogue MAGIA que, por sua vez o transcreveu de
http://daliteratura.blogspot.pt/index.html
esta Carta ao Primeiro Ministro de Portugal
ANTÓNIO FONSECA - 11-Setembro-2012 - 10,55 horas
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SEM MAGIA O
QUE SERIA A VIDA?
Posted: 10 Sep 2012 01:01 PM PDT
CARTA AO PRIMEIRO-MINISTRO DE PORTUGAL
Exmo. Senhor Primeiro Ministro
Hesitei muito em dirigir-lhe estas palavras, que mais não dão
do que uma pálida ideia da onda de indignação que varre o país, de norte a sul,
e de leste a oeste. Além do mais, não é meu costume nem vocação escrever coisas
de cariz político, mais me inclinando para o pelouro cultural. Mas há momentos
em que, mesmo que não vamos nós ao encontro da política, vem ela,
irresistivelmente, ao nosso encontro. E, então, não há que fugir-lhe.
Para ser inteiramente franco, escrevo-lhe, não tanto por acreditar que vá ter em V. Exa. qualquer efeito — todo o vosso comportamento, neste primeiro ano de governo, traindo, inescrupulosamente, todas as promessas feitas em campanha eleitoral, não convida à esperança numa reviravolta! — mas, antes, para ficar de bem com a minha consciência. Tenho 82 anos e pouco me restará de vida, o que significa que, a mim, já pouco mal poderá infligir V. Exa. e o algum que me inflija será sempre de curta duração. É aquilo a que costumo chamar “as vantagens do túmulo” ou, se preferir, a coragem que dá a proximidade do túmulo. Tanto o que me dê como o que me tire será sempre de curta duração. Não será, pois, de mim que falo, mesmo quando use, na frase, o “odioso eu”, a que aludia Pascal.
Para ser inteiramente franco, escrevo-lhe, não tanto por acreditar que vá ter em V. Exa. qualquer efeito — todo o vosso comportamento, neste primeiro ano de governo, traindo, inescrupulosamente, todas as promessas feitas em campanha eleitoral, não convida à esperança numa reviravolta! — mas, antes, para ficar de bem com a minha consciência. Tenho 82 anos e pouco me restará de vida, o que significa que, a mim, já pouco mal poderá infligir V. Exa. e o algum que me inflija será sempre de curta duração. É aquilo a que costumo chamar “as vantagens do túmulo” ou, se preferir, a coragem que dá a proximidade do túmulo. Tanto o que me dê como o que me tire será sempre de curta duração. Não será, pois, de mim que falo, mesmo quando use, na frase, o “odioso eu”, a que aludia Pascal.
Mas tenho, como disse, 82 anos e, portanto, uma alongada e bem
vivida experiência da velhice — a minha e da dos meus amigos e familiares. A
velhice é um pouco — ou é muito – a experiência de uma contínua e ininterrupta
perda de poderes. “Desistir é a derradeira tragédia”, disse um escritor pouco
conhecido. Desistir é aquilo que vão fazendo, sem cessar, os que envelhecem.
Desistir, palavra horrível. Estamos no verão, no momento em que escrevo isto, e
acorrem-me as palavras tremendas de um grande poeta inglês do século XX (Eliot):
“Um velho, num mês de secura”... A velhice, encarquilhando-se, no meio da
desolação e da secura. É para isto que servem os poetas: para encontrarem, em
poucas palavras, a medalha eficaz e definitiva para uma situação, uma visão, uma
emoção ou uma ideia.
A velhice, Senhor Primeiro Ministro, é, com as dores que
arrasta — as físicas, as emotivas e as morais — um período bem difícil de
atravessar. Já alguém a definiu como o departamento dos doentes externos do
Purgatório. E uma grande contista da Nova Zelândia, que dava pelo nome de
Katherine Mansfield, com a afinada sensibilidade e sabedoria da vida, de que V.
Exa. e o seu governo parecem ter défice, observou, num dos contos singulares do
seu belíssimo livro intitulado The Garden Party: “O velho Sr. Neave achava-se
demasiado velho para a primavera.” Ser velho é também isto: acharmos que a
primavera já não é para nós, que não temos direito a ela, que estamos a mais,
dentro dela... Já foi nossa, já, de certo modo, nos definiu. Hoje, não. Hoje,
sentimos que já não interessamos, que, até, incomodamos. Todo o discurso
político de V. Exas., os do governo, todas as vossas decisões apontam na mesma
direcção: mandar-nos para o cimo da montanha, embrulhados em metade de uma velha
manta, à espera de que o urso lendário (ou o frio) venha tomar conta de nós.
Cortam-nos tudo, o conforto, o direito de nos sentirmos, não digo amados (seria
muito), mas, de algum modo, utilizáveis: sempre temos umas pitadas de sabedoria
caseira a propiciar aos mais estouvados e impulsivos da nova casta que nos
assola. Mas não. Pessoas, como eu, estiveram, até depois dos 65 anos, sem gastar
um tostão ao Estado, com a sua saúde ou com a falta dela. Sempre, no entanto,
descontando uma fatia pesada do seu salário, para uma ADSE, que talvez nos fosse
útil, num período de necessidade, que se foi desejando longínquo. Chegado, já
sobre o tarde, o momento de alguma necessidade, tudo nos é retirado, sem uma
atenção, pequena que fosse, ao contrato anteriormente firmado. É quando mais
necessitamos, para lutar contra a doença, contra a dor e contra o isolamento
gradativamente crescente, que nos constituímos em alvo favorito do tiroteio
fiscal: subsídios (que não passavam de uma forma de disfarçar a incompetência
salarial), comparticipações nos custos da saúde, actualizações salariais — tudo
pela borda fora. Incluindo, também, esse papel embaraçoso que é a Constituição,
particularmente odiada por estes novos fundibulários. O que é preciso é salvar
os ricos, os bancos, que andaram a brincar à Dona Branca com o nosso dinheiro e
as empresas de tubarões, que enriquecem sem arriscar um cabelo, em simbiose
sinistra com um Estado que dá o que não é dele e paga o que diz não ter, para
que eles enriqueçam mais, passando a fruir o que também não é deles, porque até
é nosso.
Já alguém, aludindo à mesma falta de sensibilidade de que V.
Exa. dá provas, em relação à velhice e aos seus poderes decrescentes e mal
apoiados, sugeriu, com humor ferino, que se atirassem os velhos e os reformados
para asilos desguarnecidos, situados, de preferência, em andares altos de
prédios muito altos: de um 14º andar, explicava, a desolação que se contempla
até passa por paisagem. V. Exa. e os do seu governo exibem uma sensibilidade
muito, mas mesmo muito, neste gosto. V. Exas. transformam a velhice num crime
punível pela medida grande. As políticas radicais de V. Exa, e do seu robótico
Ministro das Finanças — sim, porque a Troika informou que as políticas são
vossas e não deles... — têm levado a isto: a uma total anestesia das antenas
sociais ou simplesmente humanas, que caracterizam aqueles grandes políticos e
estadistas que a História não confina a míseras notas de pé de página.
Falei da velhice porque é o pelouro que, de momento, tenho mais à mão. Mas o sofrimento devastador, que o fundamentalismo ideológico de V. Exa. está desencadear pelo país fora, afecta muito mais do que a fatia dos velhos e reformados. Jovens sem emprego e sem futuro à vista, homens e mulheres de todas as idades e de todos os caminhos da vida — tudo é queimado no altar ideológico onde arde a chama de um dogma cego à fria realidade dos factos e dos resultados.Dizia Joan Ruddock não acreditar que radicalismo e bom senso fossem incompatíveis. V. Exa. e o seu governo provam que o são: não há forma de conviverem pacificamente. Nisto, estou muito de acordo com a sensatez do antigo ministro conservador inglês, Francis Pym, que teve a ousadia de avisar a Primeira Ministra Margaret Thatcher (uma expoente do extremismo neoliberal), nestes termos: “Extremismo e conservantismo são termos contraditórios”. Pym pagou, é claro, a factura: se a memória me não engana, foi o primeiro membro do primeiro governo de Thatcher a ser despedido, sem apelo nem agravo. A“conservadora” Margaret Thatcher — como o “conservador”Passos Coelho — quis misturar água com azeite, isto é, conservantismo e extremismo. Claro que não dá.
Falei da velhice porque é o pelouro que, de momento, tenho mais à mão. Mas o sofrimento devastador, que o fundamentalismo ideológico de V. Exa. está desencadear pelo país fora, afecta muito mais do que a fatia dos velhos e reformados. Jovens sem emprego e sem futuro à vista, homens e mulheres de todas as idades e de todos os caminhos da vida — tudo é queimado no altar ideológico onde arde a chama de um dogma cego à fria realidade dos factos e dos resultados.Dizia Joan Ruddock não acreditar que radicalismo e bom senso fossem incompatíveis. V. Exa. e o seu governo provam que o são: não há forma de conviverem pacificamente. Nisto, estou muito de acordo com a sensatez do antigo ministro conservador inglês, Francis Pym, que teve a ousadia de avisar a Primeira Ministra Margaret Thatcher (uma expoente do extremismo neoliberal), nestes termos: “Extremismo e conservantismo são termos contraditórios”. Pym pagou, é claro, a factura: se a memória me não engana, foi o primeiro membro do primeiro governo de Thatcher a ser despedido, sem apelo nem agravo. A“conservadora” Margaret Thatcher — como o “conservador”Passos Coelho — quis misturar água com azeite, isto é, conservantismo e extremismo. Claro que não dá.
Alguém observava que os americanos ficavam muito admirados
quando se sabiam odiados. É possível que, no governo e no partido a que V. Exa.
preside, a maior parte dos seus constituintes não se aperceba bem (ou,
apercebendo-se, não compreenda), de que lavra, no país, um grande incêndio de
ressentimento e ódio. Darei a V. Exa. — e com isto termino — uma pista para um
bom entendimento do que se está a passar. Atribuíram-se ao Papa Gregório VII
estas palavras: “Eu amei a justiça e odiei a iniquidade: por isso, morro no
exílio.” Uma grande parte da população portuguesa, hoje, sente-se exilada no seu
próprio país, pelo delito de pedir mais justiça e mais equidade. Tanto uma como
outra se fazem, cada dia, mais invisíveis. Há nisto, é claro, um perigo.
De V. Exa., atentamente,
Eugénio Lisboa
O autor foi presidente da Comissão Nacional da UNESCO /
conselheiro Cultural da Embaixada de Portugal em Londres entre 1978-1995 /
professor catedrático especial de Estudos Portugueses na Universidade de
Nottingham / professor catedrático visitante da Universidade de Aveiro / e
coordenador do ensino da língua portuguesa na Suécia. É Doutor Honoris Causa
pelas universidades de Nottingham e Aveiro. A Câmara de Cascais outorgou-lhe a
medalha de Mérito Cultural.
Em Moçambique foi sucessivamente administrador e director das
petrolíferas SONAPMOC, SONAREP e TOTAL.
Transcrito, com a devida vénia de
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ANTÓNIO FONSECA
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