IN MEMORIAM
Caros Amigos:
No dia 11 de Setembro - o Padre Salgueirinho, celebrou a sua última Missa na Igreja da Comunidade de S. Paulo do Viso, e não se sentindo muito bem, nem sequer fez a Homilia que fazia habitualmente, e, também, não pôde dar a comunhão. No fim da Missa ainda me propus, conduzi-lo para a Capela das Almas ou para casa, mas ele disse-me que já se sentia melhor e que já podia conduzir. Desde então nunca mais voltou a esta Igreja, pois o médico mandou-o descansar e efetuar alguns exames e posteriormente, teve que ser internado no IPO do Porto, salvo erro, no dia 5 de Outubro. Fui ao Hospital de Oncologia para o ver no dia 25 e – apesar de ter conversado com ele apenas 2 minutos, verifiquei que estava no pleno uso das suas faculdades, ao ter-me reconhecido e cumprimentado de imediato – demonstrava já um grande cansaço, falando muito devagar, dizendo-me que estava à espera do desenlace com perfeita paz no coração com Deus e com os homens e que estava pronto para a partida. Estas palavras deixaram-me fortemente comovido como devem calcular e portanto, quando soube que ele já tinha ido para casa – precisamente no dia 27, tive o pressentimento que não passaria dessa semana, o que infelizmente – ou não, só Deus o sabe…, veio a ocorrer no dia 29, sábado, já em sua casa, tendo o seu funeral sido realizado, como já informei no dia 31 de Outubro, em Santiago de Bougado, sua terra natal.
Dentre várias ideias que me ocorreram, lembrei-me de repescar os últimos Vitrais que foram escritos pelo Padre Salgueirinho e publicados na Voz Portucalense, fazendo aqui a sua re-publicação e, noutra ocasião, talvez no próximo dia 29 – (se Deus quiser) um mês após o seu falecimento – publicar outros dados sobre a sua vida e as suas obras epistolares, de que possa vir a obter alguns dados de referência… assim Deus o permita. Posto isto, e dado que hoje dia 12, se completam 15 dias, sobre a data em que partiu para o Pai, ouso transcrever em seguida diretamente da Voz Portucalense, os textos dos Vitrais publicados desde o dia 7 de Setembro – que porventura, decerto já teria (escrito mesmo antes de adoecer…)
7 de Setembro de 2011
UM COFRE SURPREENDENTE…
Conta um escritor que quando era criança lhe ofereceram um pequeno cofre. Lá ia introduzindo as moedinhas que familiares e amigos lhe iam oferecendo. Mas o mealheiro tinha uma particularidade caprichosa: ninguém podia abri-lo pela parte de fora. Só podia ser aberto por dentro. Uma insólita e refinada engenhoca fazia que o cofre abrisse apenas quando estivesse totalmente cheio. As moedas iam caindo e enchendo, enchendo até tocar um ponto que disparava e abria, despejando o dinheiro nas mãos inquietas da criança. Todos os dias o pequeno olhava com tristeza e curiosidade o seu cofrezito sobre o armário. E o pai do miúdo observava muitas vezes esse olhar ansioso do filho. Certo dia, o pequenito regressou da escola inesperadamente e deu com o pai debruçado sobre o mealheiro a meter moedas grandes e pequenas para enchê-lo mais rapidamente e antecipar o momento de abertura., a hora de alegria e felicidade para o filho cansado do esperar. E o filho nunca mais esqueceu aquele gesto de amor do seu pai. Nós temos um Pai muito mais generoso e criativo que procede connosco de forma semelhante. Sem vermos, no silêncio da Sua obra de amor, Deus vai enchendo o nosso cofrezinho da vida com dons e talentos valiosos e ajudas extraordinárias de toda a espécie, para proporcionar-nos momentos de felicidade, sobretudo a alegria de verificar um dia quanto de valor guardava a nossa vida. Só um dia descobriremos a generosidade espantosa de Deus na vida de cada um de nós. Só um dia compreenderemos que as nossas palavras, os nossos atos frágeis frutificaram, porque a mão de deus invisivelmente colaborou connosco, como aquele pai amava o seu pequeno filho.
14 de Setembro de 2011
UMA MENSAGEM DE AMOR…
Há dias, quando descia lentamente uma rua da cidade, deparei com uma pequena frase escrita na parede dum prédio. Não era uma frase grosseira ou enigmática que muitas vezes vemos por toda a parte. Mas sim uma frase curta em palavras, mas grande em conteúdo. Era uma frase sempre bela quando sincera: – “JE T’AIME” - “AMO-TE”. Devia ter sido escrita por um rapazinho enamorado, que sabia que a sua amada passava por ali. Quis afirmar-lhe o seu amor por ela e escreveu: “JE T’AIME”! Ele sabe que ela entende, que conhece a sua caligrafia, que sabe que aquela mensagem amorosa é só para si. E a adolescente, ao ler aquela mensagem, sente o seu amor avivar-se, como um sopro na fogueira. Segui meditando… Se soubermos olhar o mundo que nos rodeia, descobriremos inúmeras legendas de amor, dirigidas por Deus a cada um de nós. Deus escreve-nos na Sua forma de escrever – este “JE T’AIME” – EU TE AMO – por aí, em qualquer parte: nas flores que sorriem nos jardins, no canto variado dos passarinhos, no chilrear angélico das crianças, na luz e calor vivificante do sol, dos frutos maravilhosos da inteligência do homem. Tudo isso é uma mensagem de amor para cada um de nós. Tudo escrito na caligrafia inimitável de Deus, onde transparece um toque Divino, um toque de amor. Deus a ciciar-nos docemente como aquele adolescente à sua namorada.
21 de Setembro de 2011
ESTOU AÍ FORA…
Há parábolas que contêm lições surpreendentes e ricas, como esta. Havia uma mulher muito, muito devota. Todos os dias ia à igreja, e mais que uma vez. Pelo caminho encontrava mendigos e crianças, mas, preocupada com as suas rezas, nem reparava nessa gente humilde. Tinha vizinhos muito necessitados e alguns vivendo em solidão, mas não ajudava nem visitava ninguém. Certo dia dirigiu-se apressada à igreja para participar no culto como habitualmente. Empurrou a porta, mas não abriu. Empurrou com mais força, mas não conseguiu. Estava fechada à chave. Olhou à volta, mas não viu ninguém. Olhou para cima e viu um papel colado na porta que dizia somente isto: Estou aí fora. Só então a mulher compreendeu que Deus estava no seu mundo: nos seus vizinhos, nas pessoas que encontrava, nos mendigos que pediam e nas crianças que sorriam e brincavam. É esta verdade que muita gente que frequenta as igrejas esquece. Esquece que o Deus a quem louvam e adoram não está aprisionado na Casa de Oração, mas que está nos caminhos da nossa vida. Está cá fora – para ser louvado com uma vida digna, para ser servido pelo serviço aos outros irmãos. Foi Ele que deixou escrito na Bíblia Sagrada: “Quero misericórdia e não sacrifícios”. Estou também aí fora! – É o dístico invisível que a fé de cada um de nós encontra pregado na porta das igrejas.
28 de Setembro de 2011
MESTRE JÚLIO RESENDE…
Na semana passada, a lei da morte libertou alguns portugueses de valor, entre eles o Mestre Pintor Júlio Resende. Nas tardes de sábado celebro a Eucaristia na Paróquia da Senhora do Porto, onde há duas obras de alto valor da autoria do Mestre Júlio Resende. Celebro sob o olhar piedoso de um Cristo Crucificado, obra desenhada por Zulmiro de Carvalho. A grandeza moral da alma do artista é bem visível nestas palavras: “Gostaria de ficar na memória como o pintor da paz”. Desejava que toda a sua obra extensa e bela sugerisse ao mundo a este mundo de ódio, violência e guerra – a construção da paz. Bela aspiração de vida! A sua memória será um grito pela paz expresso pelo seu génio através das tintas da sua paleta. “Felizes os que constroem a paz”. Eis outra aspiração de beleza e humildade de Mestre Resende: “Quero partir sem deixar resíduos na consciência”. Anseio admirável: Partir para o Além, sem qualquer peso na consciência. Duas mensagens extraordinárias para a nossa vida pessoal! Tracejar com o nosso caminhar ao longo da vida – por palavras e por ações – apelos à vivências em paz para transformação deste mundo materializado sem fé. E, como homenagem a Mestre Júlio Resende, adoptar como lema de vida, VIVER E MORRER DE ALMA LAVADA PELO AMOR.
5 de Outubro de 2011
UMA LANTERNA…
Todos sentimos algumas vezes na vida a sensação de solidão: uma solidão de abandono ou de esquecimento, uma sensação de isolamento. Mas há sempre uma luz a iluminar essas horas: um familiar, um amigo ou até alguém desconhecido. Há sempre um anjo de bondade, velho ou novo, que vem trazer um pouco de lenitivo ou de azeite à candeia da esperança. Li há tempos o relato de um acidente de automóvel. Noite escura. Um casal viajava na auto-estrada serenamente foi abalroado por um potente automóvel, que os atirou para a lama da margem, ficando os dois carros desfeitos. O condutor do carro abalroado conseguiu desprender-se e vir para a estrada pedir ajuda com uma lanterna. Os carros passavam velozmente. Outros afrouxavam, mas não paravam, não ofereciam um gesto de solidariedade. O homem já sentia revolta pela indiferença egoísta dos que passavam. Mas corrigiu a sua ideia quando vi aproximar-se um homem com uma lanterna, a verificar se havia feridos e teria de ir buscar socorro. Aquela lanterna, naquela hora dramática de confusão, incerteza e perigo, iluminou a alma daquelas três pessoas sinistradas. Na vida, acontece muitas vezes isto. Quantas vezes alguém é abalroado imprevistamente por uma doença, por um desgosto, por um acidente, que deixam a alma em trevas de angústia. Mas uma simples lanterna – um amigo, um familiar, alguém – são como a, luz do extremo túnel escuro. Por essa luz renasce tantas vezes a esperança, a coragem para continuar a lutar. E essa lanterna é a nossa mão estendida levando ajuda, apoio, serenidade, salvação a qualquer coração angustiado.
Conforme já disse no inicio, parece ter sido neste dia que deu entrada no IPO, o que me leva a pensar que todos estes textos já estariam escritos, pelo menos, antes dessa data.
12 de Outubro de 2011
UM BOM DIA…
Vamos refletir um pouco sobre algumas maravilhas com que Deus nos mimoseia em cada dia. Poderemos, ao levantar-nos, não ter o pequeno almoço preparado. Mas muito mais que isso é o que Deus preparou para cada um de nós: um sol acalentador que nos sorri ou um pouco de chuva refrescante que nos importuna um pouco, mas que lava os caminhos que trilhamos… E para esse Amigo que velou por nós durante o sono, tantas vezes não arranjamos tempo para um «bom dia» nem um simples pensamento de gratidão… Talvez a pressa nos faça esquecer esse Deus que tudo preparou e que tudo perdoa. Iniciamos o nosso trabalho. Quanta luta, quanto esforço, quanto sacrifício, quanto êxito e realização! Talvez pensemos que é obra apenas nossa. Mas Ele está colaborando connosco, invisível no silêncio. Lemos jornais, revistas, páginas de livros ao longo do dia. Conversamos longamente. Para esse Amigo nem uma palavra, nem a leitura duma página dessa sua carta bíblica de amor… E tudo nos seria mais feliz se lhe tivéssemos falado, se o tivéssemos consultado, se o tivéssemos ouvido… Voltamos para casa ao fim do dia. Estrelas e lua embelezam a nossa noite. O cansaço e o sono nem sempre deixam ciciar um «obrigado» ao Amor que nos acompanhou em cada vinte e quatro horas… Tudo perdoa. Continua amando, solícito e vigilante…
19 de Outubro de 2011
OBRIGADO, SENHOR, PELO DOM DA VIDA!
“Obrigado, Senhor, por me teres criado!…” Pronunciou esta palavra Santa Clara, pouco antes de morrer. Este «obrigado» ao fechar-se a vida para a Terra incluí o início da vida. “Obrigado” por me teres criado a mim e a não a outro que poderia ter sido criado… Obrigado por me teres criado e me teres assistido com tanta maravilha através do caminho… Quanta coisa maravilhosa nos é oferecida pela mão invisível de Deus… Ser criado: nascer, abrir a inteligência para o mundo maravilhoso criado por Deus é um dom incomensurável… Mas reconhecer esse dom – momento a momento – até à morte é uma formas admirável de agradecer a Deus. Obrigado por me teres criado! Ser arrancado – pelo amor e pela sabedoria de Deus – do mundo ignorado para a aventura de viver: uma aventura com risco, com desaires, com sofrimento – com a inquietação de voltar a encontrar Deus para uma união eterna… Durante este dia que começa, elevarei o pensamento a Deus para repetir a palavra de Santa Clara: «Eu te agradeço, Senhor, por me teres dado a vida…”
26 de Outubro de 2011
CADA NOVO DIA…
Luís Armstrong foi o célebre trompetista negro, que correu o mundo inteiro interpretando divinamente a música jazz. Disse ele um dia numa entrevista: “Quando eu chegar às portas do paraíso, tocarei para os anjos as melhores notas do meu pistão. Estes serão forçados a abrir-me a porta”. Armstrong, em, boa verdade, tocava sempre nessa direção. Apontava o trompete para os céus, e tocava com uma beleza e devoção inexcedíveis, como que rezando devotamente em cada nota. Desde o início de cada novo dia, vamos tentar voltá-lo para o alto, vivendo menos aferrados às coisas perecedoiras da terra. Executemos com beleza o nosso dia- nosso tempo de labor ou de descanso – projetando-o, como Armstrong, para as alturas. Sopremos devotamente a vida. cada nota de partitura da vida, quer no ardor do trabalho, quer talvez nos gemidos do sofrimento… Façamos de cada sopro de vida- de cada respirar, de cada palavra, de cada gesto, de cada ato – uma prece harmoniosa no relacionamento com os outros, como o trompetista negro que parecia rezar em cada nota música,. Mais um novo dia. Um dia vivido para o alto, forçando, pela beleza e pelo amor, as portas da felicidade. (1)
(1) Foi este segundo penso, o último escrito do Padre Mário Salgueirinho, que foi publicado na Voz Portucalense. que faleceu no dia 29 como se sabe. Relativamente ao vitral que a seguir se publica, remeto os meus leitores para a ND com que termina o referido texto.
2 de Novembro de 2011
UM DEPOIMENTO OBJECTIVO
O célebre cantor inglês Cliff Richard, vencedor de vários festivais da canção da eurovisão, fez um interessante depoimento sobre o verdadeiro sucesso das pessoas. Diz assim: “Acabei por entender que as pessoas com mais sucesso são aquelas que vivem praticando o bem sem se fazerem notar”. E continua: “Lembro-me de certo dia, ir de carro pelo Sudão e ver uma pequena cabana com cortinas de chita. Nela viviam duas australianas, que haviam abandonado o seu estilo de vida confortável para irem ajudar os habitantes locais que morriam de fome e de doenças. Ninguém sabia o que elas estavam a fazer. Para mim – diz o cantor – esse é o maior sucesso”:
Aqui está um depoimento objectivo de um homem de sucesso, que conseguiu captar uma nota importante que é o segredo da felicidade individual: consiste em fazer bem sem se fazer notar… Dar-se ao serviço dos outros, sem que o seu nome apareça nas páginas da imprensa; sem esperar expressões de admiração, ou de gratidão ou de louvor de quem quer que seja… Dar-se ao serviço dos outros, sem menções honrosas, sem condecorações, sem comendas de qualquer espécie… dar-se humildemente, apagadamente, sem se fazer notar a não ser por Deus. Quem tem olhos de ver, quem sabe ver com o coração, descobre tanta gente feliz por esse mundo além servindo o no silêncio humilde, sem qualquer recompensada a não ser a do sucesso, isto é, a felicidade que lhe vem de tornar alguém um pouco mais feliz…
ND – Esta publicação de um texto antigo do Padre Mário Salgueirinho queremos que constitua uma homenagem da Voz Portucalense à sua memória. Que esta presença junto dos seus habituais leitores os leve a um reconhecimento e a uma prece.
E, agora para terminar, o VITRAL que esta semana, com data de 9/11, a VOZ PORTUCALENSE decidiu incluir na sua edição e que tomo a liberdade de transcrever:
9 de Novembro de 2011
UMA HOMENAGEM
Este espaço era semanalmente ocupado pelos textos do Padre Mário Salgueirinho. Pensamos que a melhor forma de mantermos a sua memória é que este espaço continue ocupado por textos da sua autoria. Buscaremos entre os publicados alguns que possam possuir um dinamismo especial que nos avivem a memória e nos toque um pouco o coração. Nesta primeira semana sem textos seus, recordamos um dos seus poemas deixados, certamente a propósito da morte de alguém que o sensibilizou especialmente, como é sempre a morte dos que amamos, num daqueles seus “Pensamentos belos” que nos deixou.
NÃO MORREU!…
Levanta o olhar para lá das nuvens
da tristeza e da saudade e solidão…
Verás que aquele que amas continua teu,
porque está vivo!…
Adormeceu…
Rasga o nevoeiro denso da amargura
com os faróis da Fé e da Esperança:
verás que aquele que amas continua teu,
porque está vivo!…
Adormeceu…
E quando transpuseres a curva da morte
na caminhada veloz para os Céus,
reencontrarás aquele que partiu e amas
eternamente vivo,
na vida de Deus…
(Mário Salgueirinho)
000000000000000000000000000000==============================000000000000000000000000000000
NOTA:
Pessoalmente, também eu todas as semanas envidarei os meus esforços no sentido de efetuar aqui as respectivas publicações,
enquanto Deus mo permitir, e, (possivelmente sempre ao sábado).
Louvado seja Deus e sua Mãe MaRia Santíssima para todo o sempre.
antónio fonseca
Sem comentários:
Enviar um comentário
Gostei.
Muito interessante.
Medianamente interessante.
Pouco interessante.
Nada interessante.