segunda-feira, 6 de abril de 2009

LEITURA Nº 48 - UM ANO A CAMINHAR COM SÃO PAULO

QUINTA PARTE

PAULO FALA-NOS DA VIDA QUE NOS ESPERA

48

“A ESPERANÇA NÃO ENGANA, PORQUE O AMOR DE DEUS FOI DERRAMADO NOS NOSSOS CORAÇÕES”

“Enquanto há vida, há esperança”. Esta frase tem ajudado muita gente a não se resignar. Perante contrariedades próprias ou de outros, fazendo mesmo despertar nelas energias, expressivas do desejo de que a vida seja mesmo vida, isto é, livre de tudo o que a limite. A esperança está assim arreigada na nossa natureza humana.

Mas a frase mostra também os seus limites. Se é só enquanto há vida que há esperança, e depois? Que fazer, quando a morte é mais que certa? Ou, simplesmente, quando a luta pela vida se reduz a adiar o seu fim? Em tais situações, não soará a frase a um cinismo, que pode produzir o efeito oposto: o desânimo ou até o desespero?

Um cristão não deveria dizer: “Enquanto há vida”, mas sim: “porque há vida, há esperança”. Aquela vida de que Paulo nos fala em Rm 5, 1-11, como fundamento da esperança cristã. Trata-se da vida nova que Deus cria naqueles que a Ele aderem pela fé na graça, oferecida na morte e ressurreição de Cristo (3, 21-4,25). Uma transformação que, todavia, não nos liberta das dificuldades, fragilidades e limitações comuns a qualquer mortal. Pelo contrário: quantas vezes, uma vida cristã coerente dá origem a mais sofrimento... e ao abandono da fé. Mas também acontece o oposto: é nessas situações que a convicção de fé sai mais fortalecida... na esperança.

Rm 5, 1-11

Uma vez, pois, que fomos justificados pela fé, estamos em paz com Deus por Nosso Senhor Jesus Cristo. Por Ele tivemos acesso, na fé, a esta graça, na qual estamos firmes e nos gloriamos, na esperança da glória de Deus. Mas não só: gloriamo-nos também nas tribulações, sabendo que a tribulação produz a paciência, a paciência a provação, e a provação a esperança. Ora a esperança não engana, porque o amor de Deus está derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado.

De facto, quando ainda éramos fracos, a seu tempo é que Cristo morreu pelos ímpios. Dificilmente alguém morrerá por um justo; porém uma pessoa boa talvez alguém se atreva a morrer. Mas é assim que Deus demonstra o seu amor: quando ainda éramos pecadores é que Cristo morreu por nós. E agora que fomos justificados pelo seu sangue, com muito mais razão havemos de ser salvos da ira, por meio dele. Se, de facto, quando éramos inimigos de Deus, fomos reconciliados com Ele pela morte de seu Filho, com muito mais razão, uma vez reconciliados, havemos de ser salvos pela sua vida. Mas não só: gloriamo-nos também em Deus, por Nosso Senhor Jesus Cristo, por quem agora recebemos a reconciliação.

O específico da esperança cristã está concentrado no v. 5: é uma esperança que não engana, não nos deixa frustrados, na luta por uma vida para além da morte, porque o amor de Deus está derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado (v. 5). Antes (vv. 1-4), Paulo mostra-nos como o amor de Deus nos transformou e, no presente, nos anima, desde o centro vital que são os nossos corações. Depois (vv. 6-11), descreve-nos em que consiste esse amor e como ele nos garante a salvação eterna. Comecemos por aqui: por nos deixarmos deslumbrar por um amor que ultrapassa todas as medidas humanamente imagináveis.

De facto, dar a vida por um justo respeitável e sobretudo por alguém de cuja bondade usufruímos (v. 7), era, na época, um ideal da ética helenista da amizade. Se é mais do que um ideal até disso Paulo duvida, e com razão. Os amigos são para as ocasiões... mas, quantas vezes, só as que lhes são favoráveis.

Agora vejamos o que se passou com Deus: Quando ainda éramos fracos, quando ainda éramos pecadores, quando éramos inimigos de Deus (vv. 6.8.10), foi então que Cristo morreu pelos ímpios, morreu por nós (vv. 6.8). Ele que não havia conhecido pecado, Deus o fez pecado por nós, para que nos tornássemos n’Ele justiça de Deus (2 Cor 5, 21). Na sua morte, assumiu a morte a que está destinado todo o homem que rompe com Deus. Derramou o seu sangue por causa dos nossos pecados, no nosso lugar e em nosso favor. E, com Ele, o próprio Deus. Não é Ele o seu Filho (v. 10)? E que sente um pai a quem morre um filho? Mas haverá algum pai que entregue o filho, para morrer por um inimigo, por alguém que atenta contra a sua vida?

Pois bem, se é assim que Deus nos ama, poderá Ele abandonar-nos, designadamente quando, no fim da nossa vida terrena, formos por Ele julgados? De facto, se fomos reconciliados com Ele pela morte de seu Filho, com muito mais razão, uma vez reconciliados, havemos de ser salvos pela sua vida (v. 10), salvos da ira, por meio dele (v. 9). Isto quer dizer também que a salvação eterna não se obtém sem nós: sem a nossa aceitação do amor de Deus e sem uma prática de vida coerente com Ele. Na medida em que Deus nos ama, responsabiliza-nos. De que modo?

Dando-nos, Ele próprio, os meios para estar à altura das nossas responsabilidades (vv. 1-5). É Ele quem, através do Evangelho, nos conquista para a fé. Pela qual nos justifica, libertando-nos do pecado que dele nos separa, para vivermos em paz com Ele (v. 1). Foi então que o seu amor foi derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado, para habitar em nós (v. 5). Um estado de graça, na qual estamos firmes, porque fortalecidos por um amor que, pela sua inesgotável gratuidade, nos capacita para irmos infinitamente além do que as nossas forças humanas permitem.

Assim, é essa firmeza que, desde já, nos permite gloriar-nos, na esperança da glória de Deus, cuja plenitude ainda está para se revelar, mas da qual já participamos. E porque se trata de uma glória alcançada no amor, não é de nós que nos gloriamos, mas do que Deus realiza em nós. Daí o aviso de Paulo: Que tens tu que não hajas recebido? E, se o recebestes, porque te glorias, como se não o tivesses recebido (1 Cor 4, 7)?

É essa firmeza que até nos permite gloriarmo-nos também nas provações, sabendo que a tribulação produz a paciência, a paciência a comprovação, a comprovação a esperança (vv. 3s). Uma espiral virtuosa que, mais do que um efeito pedagógico do sofrimento, é a transformação deste em caridade, em doação da vida.

Dos inumeráveis exemplos da história do cristianismo, há dois a destacar. Antes de mais o de Paulo: Quem poderá separar-nos do amor de Cristo? A tribulação, a angústia, a perseguição, a fome, a nudez, o perigo, a espada? (...) Mas, em tudo isto, saímos vencedores, graças àquele que nos amou; o Deus que está em Cristo Jesus Senhor Nosso (Rm 8, 35.37.39).

É por isso que Paulo envolve as palavras, em que nos fala da esperança, numa expressão ainda hoje usada no final das nossas orações. Por Nosso Senhor Jesus Cristo (vv. 1.11). É nele que está a fonte da nossa esperança, porque ninguém a viveu como Ele. Glória a Ele para sempre!

In:Um Ano a caminhar com São Paulo

De: D. Anacleto de OliveiraBispo Auxiliar de Lisboa

Compilado por: António Fonseca - 6-04-2009

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