A história de Dona Anita
Dona Anita se deu conta de que era ela tonta-tonta-tonta a culpável de seus sofrimentos
(tradução literal direta para português) – AF.
Autor: José Luis Martín Descalzo | Fuente: Razones para el amor
Dona Anita é uma velha-velhíssima/viúva-viuvíssima que vive numa cidade de cujo nome prefiro não me recordar. Porque isto que vou contar é uma história absolutamente real, mesmo que tenha tanto olor a fábula como tem.
Dona Anita teve desgraça de enviuvar aos quatro dias de casada, pois seu marido («seu Paco», dizia ela) morreu sendo, - não se recorda muito bem - tenente ou capitão numa longínqua guerra, que já não está muito segura, se foi de África ou de Cuba. O que sabe dona Anita é que o seu Paco a deixou com o céu e a terra.
Dele só resta uma preciosa fotografia, já amarelecida; uns velhos lençóis de seda, que só se usaram quatro noites, e uma pensão de 5.105 pesetas (Aproximadamente 30 euros). Com este fabuloso soldo vive dona Anita, convertida já numa gazela antediluviana, rodeada por um mundo de monstros. Mas dona Anita arranja-se sempre para que suas cinco notas cheguem ao fim do mês, dando por suposto que as primeiras 105 gasta-as cada dia 30, ao pagar, por uma vela, que acende em honra e recordação de seu Paco.
Há alguns anos atrás, (antes do €uro) num dia 30 pagaram a dona Anita a sua pensão com uma só nota de 5.000, uma nota de 100 e uma moeda de 5 pesetas. A dona Anita alegrou-se por ter pela primeira vez nas mãos uma nota daquelas, que lhe parecia um prémio gordo, mas ao mesmo tempo apareceram-lhe todos os temores do inferno ante a hipótese de que pudesse perdê-la. Não estaria segura até que, na manhã seguinte, a trocasse na tenda.
E os suores do inferno chegaram quando, ao ir pagar suas verduras, depois de sua missa, verificou que, apesar de todas as precauções, ou talvez por causa delas, a nota de 5.000 não aparecia. Dona Anita revolveu e virou ao contrário sua bolsa. Mas nada. Fez cinco vezes o caminho que ia de sua casa à igreja e da igreja ao mercado. Mas nada. Procurou debaixo de todos os bancos do templo, correu os móveis todos de sua casa. E nada.
A angústia se fez dona de seu coração. ¿Como poderia viver agora os trinta horríveis e intermináveis dias do mês se não tinha um só cêntimo no banco, se todas as pessoas que conhecera neste mundo estavam já no outro? Voltou a recontar todas suas coisas e comprovou, uma vez mais, que não restava nada de valor por vender... salvo, claro, aqueles lençóis de seda velhíssimos, aquele jogo de café de prata que lhe deram seus irmãos no dia de seu casamento e aquele velho medalhão de sua mãe. ¡Mas vender isso seria como vender-se a si própria!
Mal comeu naquele dia com as sobras que ficaram no velho frigorifico e apenas dormiu um pouco na longa noite. «¡É isso! -pensou entre dois sonos angustiados -, ¡a nota perdi-a no ascensor, ao descer para ir à missa!» Levantou-se tremendo e, com um abrigo em cima da camisa, saiu à escada. ¡Mas nem no ascensor nem na escada havia alguma coisa! E regressou a seu leito como uma condenada à morte. Pela manhã, quando saiu para a missa - Deus era já o único que lhe restava - colocou na cabina do ascensor um papel em que anunciava que se alguém havia encontrado uma nota de 5.000 pesetas fizesse o favor de a devolver a... Mas fê-lo com a menor das confianças.
Aquela missa foi a mais triste na vida de dona Anita. Quando o sacerdote começou a rezar a «Confissão», a viúva-viuvíssima se recordou de que no dia anterior, numa de suas idas e vindas, se havia cruzado na escada com a outra viúva do quarto piso - essa a que os vizinhos chamavam, para a distinguir dela, a viúva alegre, e não sem motivos, segundo diziam - e havia comprovado que acabava de estrear uma preciosa bolsa de couro. ¡Aí estavam fundidas suas 5.000 pesetas! ¡Era claro como a luz do dia!
Mas enquanto o sacerdote lia o Evangelho, dona Anita recordou que as duas raparigas do terceiro piso, essas que voltavam todas as noites à “las tantas”, com seus noivos, em motos estrondosas, haviam chegado nessa noite ainda muito mais tarde do que normalmente. ¡E dona Anita tremeu ante o simples pensamento do que aquelas duas perdidas houvessem podido fazer com suas 5.000 pesetas!
Quando o sacerdote recitou o Ofertório veio ao pensamento de dona Anita seu vizinho do segundo piso, o carniceiro, um comunista mal encarado, que a tinha olhado, ao cruzar-se com ela na escada, com um olhar enviesado e repulsivo. ¡ Deus santo, em que teria podido inverter o comunista esse seu dinheiro!
Na consagração foi dom Fernando - esse que diziam que vivia com uma mulher que não era a sua - a vítima das suspeitas de dona Anita. E como a missa ainda durou dez minutos, foram todos os vizinhos, um por um, convertendo-se em probabilíssimos apropriadores do sangue de dona Anita.
Só quando ia entrar no seu piso – deu-lhe uma raiva entrar naquele bloco de vivendas corrompidas - tropeçou dona Anita, e ao cair-lhe o missal, saíram dele doze estampas e uma nota de 5.000 pesetas, é que a velha se deu conta, de que era ela tonta-tonta-tonta e a única culpada de seus sofrimentos.
E quando se dispunha a sair jubilosa até ao mercado, alguém a chamou à sua porta. Era a viúva do quarto piso, que, vejam vocês que casualidade, havia encontrado na véspera uma nota de 5.000 mil pesetas no ascensor. Quando ela se foi, pedindo mil desculpas e dizendo que sem dúvida era de algum outro vizinho que a havia perdido, chamaram-na à porta as duas raparigas do terceiro, que também elas - ¡que coisas!, ¡que coisas! - haviam encontrado na escada outra nota de 5.000 pesetas.
Logo foi o carniceiro, e este havia encontrado não uma nota de 5.000 pesetas, mas sim, cinco notas de 1.000 pesetas novinhas e juntas. Depois subiu dom Fernando e uma dezena de vizinhos mais, porque - ¡há que ver que casualidades! - todos haviam encontrado notas de 5.000 pesetas na escada. E enquanto dona Anita chorava e chorava de alegria, deu-se conta de que o mundo era formoso e as pessoas eram boas, e que era ela quem sujava o mundo com os seus sujos temores.
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Post colocado em 4-10-12 – 16,30 horas
António Fonseca
Este texto foi traduzido de espanhol para português, de forma literal e sem recurso a dicionário.
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