sexta-feira, 19 de junho de 2009

ANO SACERDOTAL - 19-JUNHO-2009 - Início

NOTA PASTORAL Ano Sacerdotal

NA ABERTURA DO ANO SACERDOTAL: DE DEUS PARA DEUS,

NO SACERDÓCIO DE CRISTO

O Ano Sacerdotal em boa hora indicado pelo Papa Bento XVI, tem toda a oportunidade e urgência. Urgente como tudo o que é cristão, da Igreja para o mundo. A começar por essa qualidade mesma de ser “cristão”, perpetuando no tempo e no espaço o que Jesus viveu e agora nos oferece, pela força do Espírito que partilha com o Pai e connosco. Oportunidade para reflectirmos sobre o sentido sacerdotal da existência e o sacerdócio ministerial na Igreja.

1. O mundo que Deus nos oferece
Precisa a Igreja de ser de Deus, e por isso mesmo “sacerdotal”. Como Bento XVI tem acentuado desde a inauguração do seu pontificado, a realidade absoluta de Deus, face à relatividade de tudo o mais, deve ser evidenciada e aprofundada por aqueles que nessa mesma realidade se sustentam.
A secularidade – também chamada laicidade – é positiva e conveniente para todos. De algum modo afirmada por Jesus, quando distinguiu o que devemos a César do que devemos a Deus, não os opondo nem confundindo, significa basicamente que as realidades temporais têm consistência específica, que deve ser respeitada como verdade da criação e disposição divina das coisas. Em Jesus, cuja filiação divina é essencial e eterna, não foi circunstancial o facto de viver como homem entre os homens, crescer e trabalhar na oficina de Nazaré, respeitar a autoridade judicial e política, pagar tributo e observar as regras da convivência de então, ainda que lhes desse o sentido mais cabal.
Na verdade, em tudo isso reconheceu e consolidou a sociabilidade básica e comum em que coexistimos como seres humanos. Mais ainda, elogiando nas suas parábolas as boas práticas de trabalho agrícola ou gestão económica, assim como os bons exercícios de solidariedade e delicadeza, mesmo para além da confessionalidade estrita, deixou-nos a indicação claríssima de que há um espaço geral de convivência e engenho em que coexistimos todos como seres humanos. Reconhecê-lo teórica e praticamente não é outra coisa senão concluir do Evangelho a própria verdade temporal do mundo. Por isso os cristãos se inserem na sociedade em cidadania plena, com crentes e não crentes; por isso os cristãos respeitam o Estado como primeiro agente do bem comum da colectividade inteira; por isso os cristãos têm toda a incumbência e razão de sobra para estarem na primeira linha de tudo quanto contribua para o desenvolvimento, a justiça e a paz, especialmente quando se sintam particulares dificuldades em qualquer destes domínios essenciais.

2. Um mundo para oferecermos a Deus
Mas de Jesus recebemos outras luzes mais. Sobretudo as que nos ilustram quanto ao princípio e à finalidade da vida pessoal e colectiva, o significado que todas as coisas hão-de alcançar, por mais comezinhas que pareçam, como são vividas no dia a dia, entre alegrias e revezes.
Jesus, que se afirma e manifesta como Filho de Deus, vive cada momento em acolhimento e retribuição de si mesmo em relação Àquele de quem provém e a quem se oferece, chamando-lhe precisamente “Pai”. É assim que logo aos doze anos lembra a Maria e a José que o seu lugar é a “casa do Pai”; e é assim que, também segundo S. Lucas, conclui a sua vida terrena entregando o espírito “nas mãos do Pai”. Entretanto, da oficina à sinagoga, da Galileia ao GólgotaNegrito, nada fizera ou dissera que não tivesse o Pai como referência, retribuindo também humanamente, por si e por nós, a vida d’Ele recebida.

Jesus inaugurou deste modo um sacerdócio novo, que já não oferece a Deus Pai coisas exteriores, mas a sua própria vida, recebida e devolvida em acção de graças. E ensina-nos a viver exactamente assim, consagrando ao Pai, com Cristo e no amor do Espírito, tudo quanto d’Ele recebemos, começando por nós próprios: passado, presente e futuro, num movimento único e unificador que a tudo dê sentido como oferta e eternidade como ultra-dimensão.
Por isso também, o Espírito de Cristo, baptismalmente recebido, faz-nos n’Ele filhos de Deus e sacerdotes do Pai. Nasce assim e expande-se pelas gerações um “Povo sacerdotal”, no sacerdócio comum de todos os baptizados, alargando, nas famílias e na sociedade, a oferta de Cristo ao Pai, por si, por todos, pelo mundo inteiro. Daqui que a secularidade – como reconhecimento da justa autonomia das realidades temporais – não deva fechar-se sobre si mesma, como se tentasse esgotar em coisas efémeras o excesso de alma que em todos nós apela por mais, muito mais. Politica e culturalmente, tal auto-encerramento da esperança tem o nome de secularismo ou laicismo e é exactamente o contrário da dimensão sacerdotal da existência, como a ganhamos de Jesus Cristo, que tudo cumpria na terra para tudo oferecer ao Céu, redimindo e salvando a humanidade e o mundo de tanta resistência acumulada.
A proposta cristã, como Jesus a vive e no-la oferece, nem está na fuga do mundo, que Deus nos confia a todos como campo de cultivo, nem no encerramento nele, porque, ao fim e ao cabo, só de promessa se trata: é terra, mas terra de promessa. Havemos de viver o dia a dia e as responsabilidades pessoais ou comuns como quem desvenda e desdobra a criação, acresce e alarga a partilha do bem comum universal. E fazendo tudo isto com um sentido profundamente religioso e sacerdotal, devolvendo ao Pai, qual talento investido e aumentado, tudo quanto Ele mesmo nos semeou na inteligência e no coração.

3. O sacerdócio de Cristo presente nos nossos padres
Acontece, porém, que Jesus Cristo não se ficou por nos falar destas coisas, ou indicá-las por recomendação e teoria. Como atrás se disse, viveu-as radicalmente assim, fazendo da sua existência um altar, da sua vida uma oblação e de si mesmo um sacerdócio novo e eterno, devolvendo ao Pai a humanidade em que incarnou. Na sua oferta (sacrifício) recuperamos a vida, a seiva e o sentido: assim o celebramos na Eucaristia, em que o Povo sacerdotal, em torno do ministro sagrado que lhe visibiliza a presença de Cristo sacerdote, se retribui ao Pai na união do Espírito, aí recebendo alento para amar e salvar o mundo.
E é este mesmo realismo sacramental que continua a vida de Cristo na vida da Igreja, designadamente através daqueles que, pelo sacramento da Ordem, trazem a cada tempo e lugar a exemplificação viva do que Cristo sacerdotalmente fez por todos, por todos se oferecendo. Ou seja, pelo sacramento da Ordem (nos graus do episcopado e do presbiterado, “sacerdotais” em sentido estrito), Cristo sacerdote quer manifestar-se em cada ministro sagrado, para chamar todo o Povo de Deus a oferecer-se também ao Pai, em acção de graças e consagração do mundo, nas suas mais diversas vivências e responsabilidades, da família à profissão, à sociedade e à cultura.
Neste ano sacerdotal, somos chamados a avivar e aprofundar estas verdades fundamentais e constitutivas da vida da Igreja e do seu serviço ao mundo. Pelo particular desenvolvimento histórico do nosso sacerdócio ministerial, católico e latino, cada padre é chamado a ser sinal vivo de Cristo sacerdote no meio dos seus. Obediente ao Pai, porque da vontade do Pai se alimenta: celibatário, pois tudo nele se sublima na dedicação imediata à grande família dos filhos de Deus; desprendido de bens e amarras, pois vive do único necessário que por fim nos saciará a todos: cada sacerdote é um dom imenso, oferecido por Deus a uma Igreja que não poderá resumir-se a mera instituição humana, benemérita que fosse. Igreja que promete e ganha pela graça de Cristo sacerdote aquela dimensão total que define a verdadeira filiação divina.

4. Rezando pelos sacerdotes e pelas vocações sacerdotais
Neste ano sacerdotal agradecemos a Deus tamanho dom. E do modo mais concreto, comunidade a comunidade, rezando por todos e cada um dos nossos sacerdotes, para que se sintam felizes e pascalmente realizados no exercício do seu ministério, entre tantas dificuldades que lhes advêm de serem poucos e não lhes faltarem múltiplos trabalhos, sobrecarregados tantos pelo peso da idade e da pouca saúde. Particularmente assim e pela grande generosidade que manifestam, são sinais vivos de Cristo sacerdote, que intercede por todos; são sinais vivos de Cristo pastor, que dá a vida pelas suas ovelhas. Mas precisamente aí, precisam da oração, da estima e da colaboração de muitos cristãos que os acompanhem.
Neste ano sacerdotal – continuando o que vimos fazendo na cadeia de oração “Rogai”, que tão boa correspondência tem encontrado na generalidade das nossas comunidades paroquiais e religiosas – cresceremos na oração instante pelas vocações sacerdotais, para que o apelo vocacional de Cristo seja ouvido por muitos jovens e adultos disponíveis, que assim encontrem o maior sentido para as suas vidas e a mais bela aplicação da sua generosidade.
Apesar das dificuldades reconhecidas, a nossa Diocese vai, a pouco e pouco, aumentando o número de candidatos ao sacerdócio ministerial. O trabalho dos nossos Seminários (Sé, Bom Pastor e Redemptoris Mater), do Pré-Seminário e do Secretariado Diocesano da Pastoral das Vocações, vai dando os seus frutos. Desde 2007 ordenei apenas um padre seculardeixando entretanto de contar com mais de uma dezena, por morte ou outras causas -, mas proximamente terei a alegria de ordenar mais três. Nos próximos anos contaremos previsivelmente com menos padres, dada a alta média etária do presbitério. Depois, a pouco e pouco, se a oração e o trabalho vocacional de todos forem avante, cresceremos em número, nas condições novas do tempo e da pastoral que se impõe. Daqui a dois anos poderemos começar a contar com mais diáconos permanentes, os quais, com a contribuição específica do seu ministério ordenado, permitirão aos sacerdotes aplicarem-se com mais disponibilidade ao que lhes é próprio e definidor, sobretudo no acompanhamento espiritual das comunidades, em torno da Palavra, da Eucaristia, da Reconciliação e do acolhimento, retomando o exemplo de São João Maria Vianney, o Santo Cura d’Ars, em quem este ano sacerdotal se inspira.

5. Rumo à Missão 2010
Aproximamo-nos da “Missão 2010”, tempo largo e pleno para que a Diocese do Porto e cada uma das suas comunidades se apliquem sobremaneira no anúncio evangélico, com “novo ardor, novos métodos e novas expressões”, como João Paulo II indicava para a “nova evangelização”. Será certamente ocasião para nos redescobrirmos como Igreja, cuja verdadeira natureza é evangelizadora e missionária, valorizando todas as potencialidades carismáticas e ministeriais com que o Espírito de Cristo a habilita e envia. A geral dimensão sacerdotal, activada pelos nossos padres em cada comunidade, como sacramentos vivos de Cristo sacerdote, devolver-nos-á ainda mais ao Pai, em acção de graças por tudo e intercessão geral por todos. Mas também nos reenviará ainda mais ao mundo, para que nenhuma aspiração legítima dos homens, nenhuma tarefa urgente da sociedade, nenhum clamor dos pobres de todas as pobrezas deixem de encontrar nos cristãos o acolhimento solidário do seu sacerdócio comum, que tudo apresenta ao Pai, d’Ele recebendo o estímulo para a tudo responder no mundo. A isso os incentivará decisivamente o sacerdócio ministerial dos seus padres, assinalando em cada comunidade a presença viva e vivificante de Cristo sacerdote e pastor.

Porto, 19 de Junho de 2009 Solenidade do Sagrado Coração de Jesus, abertura do Ano Sacerdotal

+ Manuel Clemente, Bispo do Porto

www.diocese-porto.pt Recolha e transcrição de António Fonseca

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